Quando o Facetas estreou em 07.08.2015, por iniciativa da doutora Winnie Gomes, foi com o artigo: “Pra não dizer que não falei de Vandré”, cujo o homenageado foi o cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré, atualmente com quase 85 anos de idade.
Quase um ano depois, em 02.07.2016, quando este blog publicou: “Geraldo Azevedo: ontem, hoje e amanhã”, o nome de Vandré voltou a ser mencionado, pelo fato dos dois terem feito, juntos, uma única composição: Canção da Despedida. Por sinal, uma das mais belas do cancioneiro brasileiro, principalmente na interpretação de Elba Ramalho. Depois, no artigo: “Três canções enigmáticas”, dividido em três artigos, no dia 29.05.2016, Vandré, volta à tona com Disparada, trazendo o nome do seu parceiro, Théo de Barros.
Agora, pela quarta vez, aqui, seu nome ressurge. Mas, para tal há explicação: o que é bom sempre se renova (ou é renovado). “Não adiante pensar – de maneira generalizada, é claro – que os nomes e as obras desses monstros sagrados da literatura ou da música, caíram no esquecimento”. Ledo engano de quem imagina ser assim.
Para as pessoas que pouco curtem a autêntica música brasileira, poderá até achar que Geraldo Vandré foi autor (ou coautor) de apenas algumas músicas de protesto durante os anos de chumbo do regime militar. Por exemplo: Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando); Disparada; Fica Mal com Deus. Nada disso. Ele foi além. Embora exista muita controvérsia sobre a sua pessoa, sua marca como artista está registrada nos anais vivos da História Brasileira e Latino-americana.
A saber. Adquiri o disco (vinil, LP) CANTO GERAL, de 1968 desse cantor, contendo 10 músicas, sendo: Terra Plana; Companheira; Maria Rita; Cantiga Brava; e Aroeira, de sua autoria. De Serra, de Terra e de Mar; de Vandré, Théo e Hermeto. E Ventania (De como um homem perdeu o seu cavalo e continuou andando); O Plantador; João e Maria; e Guerrilheira, de Vandré e Hilton Accioli.

A capa do LP, per si, diz muita coisa a quem possa observador. Está dividida em três partes: 1. No centro: CANTO GERAL – Geraldo Vandré; 2. Na superior: um imenso rebanho de bois ao anoitecer (há quem fale lusco-fusco); e 3. Na inferior: dezenas de trabalhadores no canteiro de um obra, num sol de queimar, ouvindo algum líder. É tudo fantástico!
Tem mais. Na contracapa, o próprio cantor assina o texto abaixo, do qual extraí as principais ideias. É tudo mais fascinante ainda:
“Desses tempos em que falar de árvores é quase um crime, pois implica em silenciar sobre tantos erros – aos que virão depois de mim”.
BERTOLT BRECHT
“A comunicação (não confundir com massificação) é para nós o objetivo fundamental de qualquer trabalho em arte. A invenção e a elaboração somente transcendem seus aspectos puramente formais e passam a ser efetivamente criativas quando servem a uma necessidade real e concreta de repartir. Sem bondades e sem heroísmos”.
“Por uma decorrência natural de ser e de ter. Porque repartir é, em última análise, um exercício fundamental da existência e a única razão de ser da propriedade”.
“Construindo casas ou pontes, igrejas ou hospitais, pintando, curando doentes, voando ou varrendo as ruas, fazendo política ou amor, morrendo e, porque não, matando, a vida importa somente pela doação que se faz dela, pelo sentido e pela direção. Às vezes penso que cantando mereço um pouco a vida. Saldo em parte os meus compromissos e tenho então, cada vez mais forte, a impressão da liberdade. Por isso aprendo a cantar e canto”.
“Neste disco a palavra Geral tem de mim somente uma vontade muito grande de colocar-me sem pudores com o instrumento da comunicação de tudo que aprendi a ver, ouvir, pensar e sentir a respeito do meu tempo, do meu lugar e da gente que vive neles. A palavra Geral tem ainda o sentido do reconhecimento público que devo a algumas pessoas cujo trabalho e dedicação profissional tornaram possível a sua realização (…).”
“O sentido da palavra Geral depende, afinal, acerto no trabalho. Das notícias e das emoções que ele possa trazer a cada um de nós e principalmente do uso que faremos delas”.
“É possível que neste disco tenha custado a mim mesmo e a outras pessoas mais do que esperávamos, do que gostaríamos ou do que seria justo que custasse. Mas eu tenho uma boa explicação: os critérios de justiça do mundo em que vivemos ainda estão muito longe de puder dar-nos uma certeza e uma garantia mínima do que seja verdadeiramente justo ou injusto”. (1)
GERALDO VANDRÉ – março de 1968.
“P. S. – Vós que vireis na crista da onda em que nos afogamos, quando falardes de nossas fraquezas pensai também no tempo sombrio a que haveis escapado.”
BERTOLT BRECHT
Outro gigante, agora da poesia latino-americana, o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), que mais de uma vez, também já foi tema do Facetas lançou, em 1950, CANTO GERAL, comparado em importância à Divina Comédia, de Dante Alighieri, ao Popol Vuh e a Folhas na Relva, de Walt Whitman, ou ainda, “a grande canção da América”.
“Canto Geral foi elaborado em circunstâncias adversas, quando Neruda, perseguido, foi obrigado a transpor os Andes e refugiar-se no estrangeiro. Nasceu – essa magnífica obra – com a indelével marcado do sofrimento.
Testemunha um grande amor ao Chile e ao seu povo, e por extensão, a todos os povos latino-americanos, frequentes vítimas do despotismo. É um livro de combate e de ternura.
Canto Geral é uma história marginal da América. É do próprio autor esta declaração: “Naquele ano de perigo e clandestinidade terminei meu livro mais importante, o Canto Geral.” (2)
Amigo leitor, amiga leitora, são dois relatos de grande significado e emocionantes, onde a poesia e a música se entrelaçam em prol de um mesmo contexto, cujo tema é: CANTO GERAL Momentos difíceis para a América Latina, lá e cá e vice-versa. Época em que proliferavam ditadores por todos os lugares, principalmente na América do Sul.
Porém, em nenhum momento essas vozes foram silenciadas (tentou-se, tentaram). Delas – sejam de Vandré, sejam de Neruda -, extraí estas palavras:
“… pela compreensão com os meus defeitos maiores e menores,
pela teimosia nordestina e pelo amor à terra e sua gente”.
(Geraldo Vandré).
” O homem terra foi, vasilha, pálpebra
do barro trêmulo, forma de argila.
(…)
Não se perdeu a vida, irmãos pastorais.
Mas como uma rosa selvagem
caiu uma gota vermelha na floresta
e apagou-se uma lâmpada da terra”.
(Pablo Neruda).
Por favor, você que nos segue aqui, não fique aí parado (a) achando que os anos 50 estão distantes; que os anos 60 já se foram. Misture tudo (num segredo de liquidificador, de Cazuza), e extraia a vossa compreensão, a vossa sabedoria.
São duas obras imperdíveis, fascinantes. Ouça Canto Geral, de Vandré, principalmente Ventania (De como um homem perdeu seu cavalo e continuou andando), ou recite Canto Geral, de Neruda.
Aprenda, como Vandré disse que aprendeu a VER, OUVIR, PENSAR e SENTIR, cada momento, cada lugar. Descubra o sentido das coisas, seja “voando ou varrendo ruas”. Qual o sentido da palavra
Geral para você? Não deixe, portanto, que os erros sejam silenciados, como tanto implorou que não fossem, Brecht!
Notinha valiosa – Ao longo da vida a gente conhece, principalmente, no trabalho, pessoas prestativas, criativas, inteligentes, enfim. Conheci o senhor José Joaquim Freire, e apesar do mesmo não ter estudo superior – ainda há tempo para tal -, é detentor de uma inteligência fora de série. Ele é capaz de contar em detalhes um filme inteiro, acima de tudo, os épicos. Agora, nós do Facetas, ficamos sabendo que tanto ele quanto o filho adolescente Henrique, são fiéis leitores dos nossos artigos. Aos dois, as nossas homenagens, com este artigo e outros que virão. Parabéns!
Texto e pesquisa: Francisco Gomes
Fontes
1. LP CANTO GERAL, de Geraldo Vandré, gravadora EMI/ODEON, p. 1968.
2. CANTO GERAL, de Pablo Neruda, trad. Paulo Mendes Campos, Bertrand Brasil, RJ, 2001.