“A primavera é a estação dos risos,/Deus fita o mundo com celeste afago”.

O poema do mês é Segredos do poeta carioca Casimiro de Abreu (1839-1860). Apesar de ter falecido muito jovem, aos 21 anos, ainda teve tempo de publicar o seu único livro de poemas, As Primaveras. Encenou em Portugal a peça Camões e o Jau; no Brasil, publicou parte do do romance Camila, mas não chegou a terminá-lo; aos 18 anos, publica no jornal carioca Correio Mercantil, a autobiografia A Virgem Loura; deixou também Poemas Avulsos, reunião de poemas publicados em diferentes jornais do Brasil e de Portugal.
A pesquisadora Ilka Laurito, pós-graduada em Literatura pela USP, diz: “A poesia de Casimiro de Abreu é marcada pela espontaneidade, presente na singeleza dos versos e temas. Traz, com musicalidade, os instantes simples de uma convivência provinciana, as preocupações e anseios cotidianos do homem comum, ora louvando os encantos da vida, ora lamentando seus espinhos.
Repleta de saudades da infância, quando era “livre filho das montanhas” e “brincava à beira do mar”, a lírica de Casimiro tem aí seus tons claros. A exaltação à natureza, os ingênuos amores e as canções do exílio compõem também uma atmosfera amena, mesmo que às vezes pontilhada de tristeza.
O conteúdo duro dos poemas de Casimiro aparece nas alusões à fugacidade da vida, à mocidade unida à morte, cliché romântico byroniano. Mas, embora sejam esses os poemas “negros”, o trágico nunca chega a extremos; é abrandado por imagens suaves, como a que retrata morte como uma ceifeira de flores.
Além do lirismo, Casimiro cultiva o humor, a crítica, a perspicácia. Estão na prosa de seus textos de romance, teatro e cartas, onde ironiza os próprios versos saudosos, os modismos da época, os cacoetes românticos, ou revela um surpreendente pendor para a sátira social e política” (1).
No entanto, no todo, a sua obra não era de “uma simplicidade tão simples”. Por exemplo, é dele a seguinte citação: “Todos aí acharão cantigas de criança, trovas de mancebo, e raríssimos lampejos de reflexão e estudo: é o coração que se espraia sobre o eterno tema ao amor e que soletra o seu o poema misterioso ao luar melancólico das nossas noites” (1).
E ao completar, garante a professora Ilka: “Quando o poeta escreveu essas palavras, no prólogo de As Primaveras, estava dando, não só para os contemporâneos como para os pôsteres, a chave para os leitores de sua obra. É preciso, pois, considerá-lo dentro dos limites que estabeleceu para si mesmo e, assim, entender por que um crítico como Antônio Cândido o considera “o maior poeta dos modos menores que o nosso Romantismo teve” (1).
Vamos então, aos versos do fantástico poema Segredos:
Eu tenho uns amores – quem é que os não tinha/Nos tempos antigos? – Amar não faz mal;/As almas que sentem paixão como a minha/Que digam, que falem em regra geral. - A flor dos meus sonhos é moça e bonita/Qual flor entr’aberta do dia ao raiar,/Mas onde ela mora, que casa ela habita,/Não quero, não posso, não devo contar!
Seu rosto é formoso, seu talhe elegante/Seus lábios de rosa, a fala é de mel,/As tranças compridas, qual livre bacante*,/O pé de criança, cintura de anel; - Os olhos rasgados são cor das safiras,/Serenos e puros, azuis como o mar;/Se falam sinceros, se pregam mentiras,/Não quero, não posso, não devo contar!
Oh! ontem no baile com ela valsando/Senti as delícias dos anjos do céu!/Na dança ligeira qual silfo voando/Caiu-lhe do rosto seu cândido véu! - Que noite e que baile! – Seu hálito virgem/Queimava-me as faces no louco valsar,/As falas sentidas que os olhos falavam/Não posso, não quero,/ não devo contar!
Depois indolente firmou-se em meu braço,/Fugimos das salas, do mundo talvez!/Inda era mais bela rendida ao cansaço/Morrendo de amores em tal languidez! - Que noite e que festa! e que lânguido rosto/ Banhado ao reflexo do branco luar!/A neve do colo e as ondas dos seios/Não quero, não posso, não devo contar!
A noite é sublime! – Tem longos queixumes,/Mistérios profundos que eu mesmo não sei:/Do mar os gemidos, do prado os perfumes,/De amor me mataram, de amor suspirei! - Agora eu vos juro… Palavra! – não minto!/Ouvi-a formosa também suspirar;/Os doces suspiros que os ecos ouviram/Não quero, não posso, não devo contar!
Então nesse instante nas águas do rio/Passava uma barca, e o bom remador/Cantava na flauta: – “Nas noites d’estio/ O céu tem estrelas, o mar tem amores!” - E a voz maviosa do bom gondoleiro/Repete cantando: – “Viver é amar!” – Se os peitos respondem à voz do banqueiro…/Não quero, não posso, não devo contar!
Trememos de medo… a boca emudece/Mas sentem-se os pulos do meu coração!/Seu seio nevado de amor se intumesce…/E os lábios se tocam ao ardor da paixão! - Depois… mas já vejo que vós, meus senhores,/Com fina malícia quereis me enganar./Aqui faço ponto; – segredos de amores/Não quero, não posso, não devo contar!
* Sacerdotisa de Baco; por extensão, mulher devassa, libertina. No contexto o poeta emprega a palavra não só por imposição de rima, como para acentuar a nota de sensualidade da figura feminina (NE).
Muito bem senhoras e senhores leitores. O poema é simplesmente fascinante. Se não podemos revelar os nossos segredos, é outro contexto. Mas, os temos. E os nossos medos…!?Façamos uso desses versos, escritos há quase 150 anos: “Os pulos do meu coração”; “Amar não faz mal”; “A noite é sublime!”; “A flor dos meus sonhos é moça e bonita”; “O céu tem estrelas, o mar tem amor!”; “Do mar os gemidos”; “Seu seio nevado de amor”, entre outros. É o velho romantismo na atualidade dos nossos sentimentos.
No poema Amor e Medo, Casimiro rimou: “Como te enganas! meu amor é chama/Que se alimenta no voraz segredo,/E se te fujo é que te adoro louco…/És bela – eu moço, tens amor – eu medo!”.
por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.
Fonte: 1. Casimiro de Abreu, in Literatura Comentada. – SP: Abril Educação, 1982.
Parabéns Angeline, Francisco Gomes e Winnie Barros, uma obra prima
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