“Jurupari, o mito que abalou a Igreja”

Ilustração de Roberto Reis – contida no texto.

O nosso artigo especial do mês é sobre o tema acima. A mitologia, independente de qual seja a civilização, o país, ou o continente, sempre mexe com o imaginário das pessoas. Aqui na Amazônia não é diferente. Jurupari, uma ‘”espécie de Moisés” indígena, a entidade lendária tornou-se obstáculo à Catequese no Brasil”.

Essa entidade é a mais significativa e controvertida dos ancestrais indígenas regionais, “dividida através dos tempos entre as figuras do Bem e do Mal, conceito que sofreu mudanças a partir da aculturação recebida dos jesuítas quando da colonização da Amazônia. Antes disso, porém, o Jurupari foi a maior divindade da pré-história indígena e seu grande legislador, também considerado mensageiro e herói-civilizador” (1).

A explicação mais plausível para a sua transformação na espécie de Demônio (figura do mal), tenha sido provocada pelos jesuítas, durante a catequese, quando foi imposto ao gentio um ente único e todo-Poderoso que até então os índios desconheciam: Tupã ou Tupana, no seio da cultura ameríndia.

Jurupari era o Senhor de culto comum a todas as tribos e detentor do poder. O herói-civilizador. O Filho do Sol. Nascido de mulher sem contato com homem, o qual exercia a sua “majestade através de seu sacerdote, o pajé. Não tardou para que ambos fossem identificados como Satanás e seu discípulo” (1).

Os silvícolas adoravam a entidade católica. Nem o tratavam como um Deus, mas como civilizador derivado de um princípio divino de um Ser Supremo, capaz de explicar ou justificar a sua presença na Terra. Mas, o Jurupari, conforme a sabedoria dos ancestrais, era um Ser grandioso e sagrado, envolvido na aura soa mistérios. Por isso, os índios “acatam-no, respeitam-no; obedecem cegamento as suas leis (culto ao herói). Porém, jamais lhe ofereceram alguma espécie de sacrifício e, tampouco, orações (culto aos deuses)” (1).

O Jurupari foi colocado no “index” da Igreja porque contrariava a recém chegada religião. Logo, os deuses locais são transformados em demônios, representantes do Mal, criadores de obstáculos a evangelização na floresta. No entanto, a nova seita precisava encontrar um Deus-Pai, isto é, um ser abstrato, único e supremo, de comprovada superioridade sobre os regionais. Um representante do Bem a ser assimilado pelos autóctones. Assim, nasceu Tupã, o comandante do raio, relâmpago, trovão e da tempestade, representante desses fenômenos meteorológicos.

Tupã foi, pois, uma forma de adaptação feita pelos catequistas para identificar um Deus que carecia de significado religioso para as tribos brasileiras. No entanto, nas lendas indígenas, esse “comandante” ocupa um lugar secundário, ou seja, um pretenso deus representante na Terra, sem nenhum cerimonial, festa ou dança, sem alguma tradição. Tudo era artificial e foi impulsionada pelo processo cristianizador.

Tanto Tupã como Jurupari são temas de pesquisas de estudiosos como Teodoro Sampaio, Câmara Cascudo, Frederico Santana Nery, entre outros. Segundo Nery, “o Jurupari, ente mitológico hoje considerado pelos índios como um gênio do Mal, a personificação do Diabo, teria sido, nos tempos pré-históricos, um guerreiro estrangeiro, proveniente das Antilhas para a Amazônia” (1), onde entrou em choque com as amazonas (mulheres guerreiras).

Numa versão primitiva, Jurupari nasceu de Ceucy, gerado pelo sumo da cucura matapi: planta da família das moráceas). A moça comeu o fruto e o sumo atingiu-lhe o sexo. Assim, foi gerado o futuro herói, sem que sua mãe tenha tido contato com homem algum. Porem, “logo após o seu nascimento, ainda que Ceucy sentisse a presença do filho a sugar-lhe o seio, não conseguia vê-lo. Ele, por assim dizer, desapareceu, retornando quinze anos depois, transformado num belo rapaz” (1).

Cheio de poder, seu 1º ato “foi arrebentar o poder das mulheres, que eram governantes das tribos, e restituí-lo aos homens, que lhes tinham medo e as obedeciam, o que era absolutamente contrário às leis do Sol” (1). Alias, a sua missão na Terra, era a de procurar uma esposa para o Sol; ensinar aos homens serem independentes das mulheres; e a de ministrar-lhes os segredos do seu culto, que só deveriam ser conhecidos por eles. “Como as mulheres da época sabiam de todos os segredos, mataram-nas, só sendo poupadas as meninas” (1).

Nem Ceucy foi poupada. Castigada, virou rocha. “A própria mãe do herói sofreu a dura sentença, pois, ao esconder-se para ouvir os ensinamentos do filho, foi por este descoberta e acabou por ser transformada em pedra”. Mas, por ser a genitora do legislador, foi elevada aos céus ondo permanece até hoje como uma constelação, conhecida como Plêiades. Pode ser vista o ano todo, exceto no mês de março. Segundo a lenda, foi nesse mês que sofreu o encantamento. Razão pela qual, “nesse período ele (o ente misteriosos) “ausenta-se do firmamento” (1).

As leis, os ritos e festas do Sol, deveriam ser seguidos à risca, haja vista que poderiam transformar os índios em guerreiros imortais. Um exemplo apenas: “Com relação aos ritos, Jurupari instituiu o adabi (chicote) imprescindível nos cerimoniais de iniciação e, também nas reuniões públicas chamadas Dabacuris , além de outras obrigatoriedades pela Lua (primeira menstruação); quando a tribo comesse caça da floresta, é claro.

No campo social, o Deus-Legislador proíbe seduzir donzelas antes de serem possuídas pela Lua; regulamentou o “choco”, ou seja, o pai de um recém-nascido deve repousar e receber pouco alimento por uma Lua ( isto é, por um mês), para que a criança fique forte; proíbe a prostituição, o adultério e a bigamia; as mulheres estéreis devem ser abandonadas, e até desprezadas; todos devem viver do seu próprio sustento (trabalho); a mulher não pode “ver” o Jurupari, sob pena de ser morta envenenada ou afogada por um dos três defeitos a ele inerentes: a impaciência, a curiosidade e a indiscrição. Medidas proibitivas essas aplicadas, sobretudo, à mulher.

Esperamos que os nossos leitores gostem e se interessem pelos mitos amazônicos. Virão outras lendas, como a do boto, do guaraná, etc.

Notinha útil – Está ocorrendo no Município de Lábrea, no sul do Amazonas, mais em evento cultural popular – o maior de todos – daquela terrinha: a “Festa do Sol”, que termina amanhã (começou ontem). A todos, um excelente Festival.

Notinha de felicitação – na próxima segunda-feira, dia 29, a nossa mais jovem integrante do Facetas, estará completando mais um niver. À mesma, os nossos parabéns!

Por Angel, Francisco e Winnie.

Fonte: Revista Amazon View, nº 61, maio de 2004, pp. 12/13.

Um comentário em ““Jurupari, o mito que abalou a Igreja”

  1. Muito bacana esse texto. Louvo sempre que alguém ajuda a desfazer a mentira de que Jurupari é o Diabo, mostrando que ele era o deus mais popular do Brasil antes do “amor cristão” chegar a Pindorama.

    Só uma pergunta: por que ilustrar o texto com uma imagem do monstro Mapinguari (que nem é mencionado), em vez de alguma mostrando o deus-herói Jurupari, o lindíssimo Filho do Sol?

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