As maldades de Schopenhauer contra as mulheres

     Em 1983, adquiri “Os Grandes Clássicos da Literatura”. Pequena coleção composta apenas por três volumes. O 3º, formado por O elogia da loucura, de Erasmo de Roterdã (1466? – 1536) e O livre arbítrio, de Artur Schopenhauer  (1788-1860).

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     Sobre Artur, esta nota, na abertura do livro: “Filósofo alemão, nascido em Dantzig (Rússia, atual Gdans, Polônia). Incluído entre os pensadores idealistas, notabilizou-se pelo seu fundo pessimismo e sarcasmo (é célebre, entre outras, sua concepção do feminismo: “As mulheres são seres de cabelos compridos e ideias curtas“). Segundo Schopenhauer, a vontade é o princípio metafísico fundamental, e exerce-se pelo livre arbítrio, ou liberdade individual. Entre suas obras contam-se: O Mundo como Vontade e Representação, Sobre a Vontade da Natureza, O Livre Arbítrio, Os Dois Problemas Fundamentais da Ética, etc”.
     Alguns anos depois dessa leitura, já na Faculdade, numa daquelas aulas memoráveis do professor de Filosofia, Luiz Rezende, anotei estas palavras do grande mestre: “… hoje, em plena era moderna, as mulheres alemãs – ligadas aos movimentos feministas ou não – querem triturar cada ossinho de Schopenhauer, pela sua aversão à capacidade filosófica feminina”.
     Agora, passados quase 4 décadas da aquisição daquela coleção, e com a gigantesca contribuição da Internet, descobri “A Arte de Lidar com as Mulheres“, desse filósofo. Por meio dessa obra, tudo fica devidamente esclarecido sobre sua concepção em relação às mulheres.

     Não precisa ler a obra, basta apenas a análise da brilhante introdução do filósofo FRANCO Volpi (1952-2009), nascido e falecido em Vicenza, Itália, para cada leitor tirar as suas próprias conclusões, concordando ou não com as opiniões abordadas, do autor original.
     O pensador italiano admite que “o tema é delicado, mas não se pode evitá-lo”. Se a mulher tem o seu lado imprevisível e insondável é a sua natureza. Mas isso não quer dizer que as convicções do espírito masculino não devem ser freadas no trato com elas. Ainda mais por filósofos, “falidos no amor”.
     O “Pequeno tratado”, como é por ele chamada a obra prefaciada, está dividida em cinco partes: Filósofos e mulheres: uma secular “mésalliance”. O caso Schopenhauer. 3ª De fracasso em fracasso. “Dulcis in fundo” e A mulher sem qualidades.
     Todas as partes interessam ao nosso comentário, independente de sua maior ou menor intensidade literária. O estudo do mestre FRANCO é tão fascinante, que o nosso desejo é abrir aspas e copiá-lo por inteiro. Porém, o conteúdo é vasto, cabendo, portanto, apenas a síntese da síntese (da introdução, é óbvio).
     Filósofos e mulheres – O conflito entre os dois é antigo. Daí, “a impressão de que a filosofia sempre foi e sempre será uma questão tipicamente masculina”. Todavia, na antiguidade já havia “figuras de pensadoras mulheres. O estoico Apolônio, por exemplo, foi o primeiro a encontrar conteúdo filosófico feminino. Por que então, o tempo não conservou uma única obra sequer? Porque a tradição do pensamento ocidental sempre tentou remover, “de princípio ou de fato, o sexo feminino”, ou seja, pelo “esquecimento da mulher”. 
     “Desde de Tales, ridicularizado por uma criada trácia, até Wittgenstein e suas confusões com Marguerite, os filósofos contribuíram sistematicamente para esse ostracismo, tanto na teoria quanto na prática”. Isso explica “o fato de nenhum dos mais antigos filósofos, os pré-socráticos, ter se casado”. O 1º foi Sócrates, que se casou com Xantipa, mas…   
     O próprio Platão, que na “República” reivindicou a igualdade dos direitos para elas, terminou “por atribuir à mulher estatuto de ser inferior”. Antístenes, o Cínico, disse que, se pudesse, fulminaria Afrodite com uma flecha. Por sua vez, Diógenes de Sinope, para evitar uma desgraça sobre a mulher, “aconselhava a prática do auto-erotismo”.
   Contudo, Aristóteles foi capaz de um matrimônio normal. Ele soube “conciliar a vida contemplativa e a vida conjugal: casou-se com Pítias e teve uma filha com ela”. Viúvo, casou-se novamente. Dessa vez com Herpílis, e tiveram Nicômaco.. Foram duas uniões felizes. Mas, seu exemplo, não melhorou as relações entre os filósofos e as mulheres.
     Até mesmo o iluminista Kant, que lutou contra “todo preconceito e toda autoridade, parece ter perdido com as mulheres o lume da razão”, acumulando uma série de discriminações, ironias, e impertinências sobre o sexo feminino”., do tipo: 1.”As qualidades da mulher se chamam franquezas”; 2. “O homem é fácil de ser indagado; já a mulher não revela seu segredo, embora dificilmente guarde o dos outros”; 3. “Com o matrimônio, a mulher se torna livre, e o homem perde a liberdade: 4. E sobre a cultura feminina: “As mulheres cultas usam os livros quase como um relógio, que carregam para mostrar que têm, embora geralmente ele esteja parado ou não corresponda ao sol”.
     Assim garante Volpi: “É o caso de pensar que, em matéria de mulheres, o insuspeito Kant tenha sido o modelo das maldades de Schopenhauer e de Nietzsche”. E completa: “É do conhecimento de todos que, com as mulheres e no amor, os grandes filósofos em geral não se saem bem. Se ainda por cima iniciam uma relação amorosa, incorrem em desventuras, arrumam incidentes graves e confusões: Abelardo com Heloísa, Nietzsche com Lou, Weber com Elsa, Scheler com suas inúmeras amantes, Heidegger com Hannah, Wittgenstein com Marguerite. Nem chegar a ser o caso de dar início à embaraçosa lista, equilibrada apenas em parte por alguns exempla in contrarium: o amor de Schelling por Caroline, o idílio de Comte e Clotilde, a simbiose de Simmel com Gertrud, o irresistível encontro de Bataille e Laure. 
     O caso Schopenhauer – Em “A Arte de Lidar com as Mulheres“, devem ser observados, um condicionamento: o pesado fardo da tradição machista e os atávicos preconceitos que calcam o seu pensamento (do autor); e um reconhecimento: deve-se a ele o mérito de ter-se realmente dedicado ao problema da “guerra” evidente entre a filosofia e as mulheres, cujo tema, depois de Schopenhauer e Nietzsche, deixou de ser silenciado, ignorado. 
     Sabe-se que naquela época, que o “fardo da tradição machista” já estava ficando mais leve. “As grandes figuras femininas do Iluminismo e do Romantismo haviam imposto com reluzente evidência a necessidade de extirpar o machismo pela raiz, dando ensejo àquela que teria si tornado a Grande Marcha da Mulher Rumo à Emancipação. Era finalzinho do século XVIII, quando “deu-se início a uma verdadeira revolução de ideias e de costumes. Surge assim, um novo comportamento familiar, social, e por que não, mundial.  Era a personificação da nova moda, de novos conceitos.
    Johanna Trosiener, mão do nosso Artur, se adaptou bem a essa nova fase. Ela era uma das milhares de mulheres que nutriam pretensões de liberdade familiar e literárias. Após o suicídio do marido, mudou-se para Weimar, onde conseguiu reunir em torno de si um círculo literário. Entre eles destacadas figuras como Goethe, Wieland, os dois Schlegal e Tieck. Desinibida, acolheu em sua casa  um jovem amante, Friedrich Muller von Gerstenbergk. Quando foi visitá-la, o jovem Artur ficou deveras perturbado, ao ponto de: o ciúme, a irritação, o rancor e, por fim, o ódio, serem inevitáveis. Porém, Johanna preferiu não renunciar as suas conquistas amorosas dedicadas ao mancebo amante a reservar amor aos filhos: Adele e Artur. Ela estava “cansada do papel de mãe”. Precisava ser uma mulher independente. Como foi por ela “abandonado”, o filho “passou a odiar a situação, a mãe, as mulheres, o mundo, e foi embora de casa”.
   Possivelmente, a contenda estabelecida entre mãe e filho tenha dado origem a exacerbada misoginia à imagem da mulher na obra do filósofo, mesmo que fundada em bases metafísicas. A biografia de Schopenhauer ilustra nitidamente suas convicções singulares a esse respeito, do tipo: “conheço as mulheres”, desabafo feito ao discípulo Adam Lodwig von Doss, na sua velhice. 
    E sem precisar ocultar o sua atitude mordaz sobre o “sexo frágil”, diz com veemência assim, para atacar, as mulheres, a própria mãe a a vida, como um todo: “Consideram – não ele, mas os outros – o matrimônio apenas um instituto assistencial. Meu próprio pai, enfermo e muito fraco, ficou preso ao leito de doente, e teria ficado abandonado se um velho criado não tivesse cuidado dele pelo assim chamado amor ao dever. A senhora minha mãe dava saraus, enquanto ele passava o tempo na solidão, e divertia-se quando ele sofria dores terríveis. É esse o amor das mulheres!”.
    Caros leitores, se tudo é natural para os padrões sociais atuais, não o era há 200 anos. De qualquer modo, o tema é fascinante para a literatura. Por favor, aguardem o desfecho final que será publicado na segunda parte, aqui mesmo pelo Facetas.
    Fontes
    1. Os Grandes Clássicos da Literatura, vol. 3, São Paulo, Editora Brasileira, 1982
    2. Slidershare.net
    3. A Arte de Lidr com as Mulheres, de Artur Schopenhauer, com Int. de FRANCO Volpi.
    4. Imagem do livro: Amazon
    5. Imagem de Schopenhauer: Wikipédia

4 comentários em “As maldades de Schopenhauer contra as mulheres

  1. Eu sabia que tinha algum problema familiar envolvido no desprezo que ele tem pela mulher. Desconfiei logo. Ouvi uns textos dele onde ele fala muito mal das mulheres, tudo de ruim que há, ele atribui à mulher, como se o homem fosse o ser santo, divino, supremo. Na hora eu senti o rancor nas palavras dele. Eu tinha certeza que alguma relação dele com alguma mulher o fez odiar a todas.
    Agora me perguntou, o quê que o resto das mulheres tem a ver com isso?
    Nessas horas cadê o filósofo, pensador? Para refletir sobre o quão injusto é descontar sua frustração, sua decepção que teve com UMA pessoa, em todo o resto?!

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  2. Grande Schopenhauer. Talvez tenha sido um pouco misógino, mas suas constatações sobre o profano feminino são atemporais. Vejo isso refletido nos comportamentos femininos diariamente.

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