Não resta dúvida: o material escrito ou falado sobre o Carnaval brasileiro é robusto. Tanto na literatura quanto na música – seja o samba ou não – da nossa cultura popular, enfim. Em 2005, a Revista NOSSA HISTÓRIA (editada com o aval do Conselho de Pesquisa da Biblioteca Nacional), publicou uma reportagem com o título “Reinado de Momo”, que reúne vários artigos: “Outros Carnavais”, de Mary Del Priore; “A capital, cai na folia”, de Maria Clementina Pereira Cunha; “A alma baiana do samba”, de Roberto Moura; “Olha o frevo aí, gente!”, de Leonardo Dantas Silva; “A folia que foi parar na África”, de Milton Guran; “Brincadeiras no Carnaval do Rio de Janeiro de Augustus Earle” de Julio Bandeira; e “Quem inventou o Carnaval? Ninguém”, entrevista com José Ramos Tinhorão.

Na introdução de “Reinado de Momo”, consta: “São três dias de folia e brincadeiras e é também uma palavra que o mundo associa ao Brasil: Carnaval. Com raízes bem fincadas na religiosidade da Idade Média, a festa chegou por aqui, como o nome de entrudo, graças aos portuenses. Mas se o Carnaval não é invenção dos brasileiros, certamente o adotamos com gosto, a ponto de transformar seus simpáticos símbolos, o Rei Momo, num cargo oficial” (1).
A revista “traça as origens dessa folia na Europa e mostra como o “civilizado” Carnaval das elites procurou domar o Carnaval das elites procurou domar o “violento” entrudo do povo. As origens do samba do Rio de Janeiro com o Carnaval levado para a África por ex-escravos oriundos do Brasil”. (1)
Cada autor(a) sabe muito bem o que pesquisou. São trabalhos primorosos sobre como nasceu a festa “É Carnaval!”. No entanto, a entrevista com o jornalista, crítico, ensaísta, pesquisador e historiador paulista José Ramos Tinhorão (1928-2021), com o tema “Quem inventou o Carnaval? Ninguém”, diz muito sobre a nossa cultura popular carnavalesca.
A seguir, alguns trechos das respostas de Tinhorão, o qual, desde jovem (quando deixou Santos (SP) e foi morar no Rio) “mostrou amor pela cultura popular e disposição para testemunhar muitos outros carnavais, prestes a completar 77 anos (em 2005) – aliás, na segunda-feira de carnaval.
Questionado sobre o que é o carnaval, disse “tratar-se de uma necessidade de lazer das camadas populares urbanas”. Ainda segundo ele, porém, a melhor definição foi dita pelo escritor alemão Johann Wolfgang Goethe, quando esteve em Roma no século XVIII: “o Carnaval não é uma festa que alguém ofereça; é uma festa que o povo oferece a si mesmo“.
E, no Brasil, como tudo começou? No início, não havia uma organização propriamente dita. “Depois surgiram os cordões e então os blocos. Mas a classe média quer participar e pede à autoridade policial que lhe reserve um espaço. É assim que começa a aparecer esse negócio de cordões de isolamento. Isso viola o espírito do Carnaval. É uma privatização do espaço público, a única coisa que o povo tem”.
Assegura o estudioso que o Carnaval ganhou esse volto que vivenciamos hoje no Brasil, porque até o fim do século XIX, foi um país de escravos, haja vista que “só havia dois tipos de festas públicas: as patrocinadas pela Igreja e as do Estado. O entrudo, durante o Carnaval, era uma coisa de escravos. O nome entrudo vem de Introitus, o período que introduzia a Quaresma. Era como se, antes de um período de privações, os prazeres fossem permitidos”.
A entrevista segue até que surge uma pergunta mais ou menos assim: como fazer associação, entre “Artistas e Carnaval?” Ela vem do século XV, quando o italiano Lourenço de Médici compra carros alegóricos em Florença, pintados por artistas famosos renascentistas. Os “desfiles tinham, inclusive, músicas feitas especialmente para a ocasião, muitas delas com letras de duplo sentido – um dos letristas era Maquiavel“,
E o Carnaval do Rio contagiou todo o Brasil? Sim. “Todas as regiões”. As principais cidades tinham seus comerciantes ricos que organizavam desfiles em carros alegóricos. São Paulo chegava a copiar o Carnaval do Rio. “O povão se diverte igual, com algumas marcas regionais (Manaus sempre se destaca por apresentar excelentes desfiles). Em Pernambuco, por exemplo, por conta da influência das bandas, o Carnaval surgiu uma linha menos de se cantar e mais de dançar; o chamado “passo”. Mas, se você for ver, a fantasia do povão é a mesma que se usava no Rio”.
E assim, finaliza o jornalista a sua manifestada ideia a respeito da temática aqui proposta: “o que seria uma suposta originalidade moderna, os trios elétricos da Bahia, são carros de som com conjuntos mais interessados em vender os próprios discos. A “originalidade” é resultante da institucionalização é transformado num cara que paga por um abadá para poder sair atrás do carro do som. E a privatização do espaço público”.
Cabe, portanto, a cada um(a) avaliar melhor as posições do estudioso do assunto aqui citado. No geral, nós, do Facetas, estamos na torcida para cada folião viver o carnaval de 2023 – depois de dois anos sem -, cheio de muita alegria e paz.
Por Angeline, Francisco Gomes e Winnie Barros.
Fonte: Revista Nossa História, ano 2, n°16, fevereiro de 2005, RJ, editora Vera Cruz, páginas 14 a 43.