“Ah! bruta flor do querer”, de Caetano

Eu pus os meus pés no riacho/E acho que nunca os tirei/(…) A vida é amiga da arte/É a parte que o sol me ensinou/O sol que atravessa essa estrada/Que nunca passou/(…) Eu vi muitos cabelos brancos/Na fonte do artista/O tempo não para e no entanto/Ele nunca envelhece”.

Eis aqui alguns versos do poema-canção Força Estranha, ou seja, a força criativa – e inesgotável – do artista que “conhece o jogo/Do fogo das coisas que são/É o sol é o tempo/É a estrada,/É o pé/E é o chão”, cuja fonte está sempre cheia de belas palavras, de melodias e versos que nos alimentam, seja o corpo seja a alma.

Foto da capa do LP: Gilda.

Quando a gente pensa que conhece um pouco a arte de Caetano Veloso (80), se surpreende com frases, poemas e canções – de ontem, de hoje e de sempre – que encantam ainda mais os seus fãs e admiradores. Isso quer dizer que cada um disco desse artista é melhor que o outro, isto é, tenha sido lançado nos anos 60, 70, 80, ou que tenha acabado de sair da prensa, da gravadora. Por exemplo, o LP “Velô” lançado há exatos 39 anos é uma dessas maravilhas musicais do cancioneiro brasileiro, queiram alguns ou não.

Não há como ignorar um trabalho fonográfico que, entre as 11 músicas estão: Podres Poderes, Pulsar, O Homem Velho, O Quereres, Língua, entre outras. E a Banda Nova? Formada por músicos de primeira linhagem artística, como: Ricardo Cristaldi (teclados), Zé Luís (sax e flauta), Tavinho Fialho (baixo), Toni Costa (guitarra), Marçal (percussão) e Marcelo Costa (bateria). Esses caras são incríveis!

Língua, dedicada a Violeta Gervaiseou, conta com a participação especialíssima da saudosa Elza Soares. Juntos cantam (e recitam): “Gosto de sentir a minha língua roçar/A língua de Luís de Camões/(…) Gosto do Pessoa na pessoa/Da rosa na Rosa/(…) A língua é minha pátria/E eu não tenho pátria: tenho matéria/Eu quero frátria/Poesia concreta e prosa caótica…”

E os opostos, os contrários, os antagonismos em O Quereres? Da bruta flor do querer. Uma das cinco estrofes da composição, traz estes versos: “Onde queres família sou maluco/E onde querer romântico, burguês/Onde queres Leblon sou Pernambuco/E onde queres eunuco, garanhão/E onde queres o sim e o não, talvez/Onde vês eu não vislumbro razão/Onde queres o lobo eu sou o irmão/E onde queres cowboy eu sou chinês”.

Ah! bruta flor do querer

Ah! bruta flor do querer.

O Velho Homem, segundo o citado artista é uma dedicatória “à memória de meu pai, a Mick Jageer e a Chico Buarque, que agora tem 40 anos (em 1984), mas aos 20 fez uma canção belíssima sobre o tema”, diz. E, finda assim, a letra: “Os filhos, filmes, livros, ditos como um vendaval/Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal/Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual/Já tem coragem de saber que é imortal”.

Na linha do tempo histórico, um fato nunca ocorre isoladamente, ou seja, não passa despercebido pelos poetas, artistas, escritores, etc. Por exemplo, em 1984, o movimento pelas DIRETAS JÁ! que grassou em todo o Brasil, cujo objetivo era que houvesse eleições diretas para Presidente da República, não ocorrida desde o início dos anos 60 (o regime militar ficou no poder de 1964-1985), Veloso, antenado a tudo, lança Podres Poderes. A terceira estrofe, das nove que formam a composição, contém estas palavras sempre atuais (que pena! que seja assim nas plagas tupiniquins): “Será que nunca faremos senão confirmar/A incompetência da América Católica/Que sempre precisará de ridículos tiranos?/Será será que será que será que será/Será que essa minha estúpida retórica/Terá que soar, terá que se ouvir/Por mais zil (assim mesmo zil) anos?”

Tem mais. A 8ª estrofe da mesma contundente canção diz mais verdades sobre os tais poderes (constituídos!) brasileiros: “Enquanto os homens exercem seus podres poderes/Morrer e matar de fome, de raiva e de sede/São tantas vezes gestos maturais”. Lá está o povo Ianomâmi que sob tantos gestos naturais estava vivendo um genocídio sem precedente. Eita! Brasil do fim do mundo. Que deixa a boiada passar enquanto…

Não contente apenas com a sua própria criação artística, Caê foi beber a água cristalina da rica fonte da poesia do poeta paulistano Augusto de Campos (que no último dia 14 de fevereiro de 2023) completou 92 anos, nos brindando com a íntegra de PULSAR, indispensável à nossa luz, à nossa paz, à nossa vida, Assim:

“Onde quer que você esteja

Em Marte ou Eldorado

Abra a janela e veja

O pulsar quase mudo

Abraço de anos-luz

Que nenhum sol aquece

E o oco escuro esquece”.

Então senhores leitores, não é possível vivermos plenamente as nossas vidas sem a poesia nelas inserida. Sem música, também não. Enfim, sem artes ninguém vai a lugar nenhum. Assim sendo, recomendados tanto a leitura como a audição dos versos em questão e aqui reunidos. Temos convicção que isso fortalecerá o viver de cada um de nós. Por falarmos em viver, é bom reviver a sempre atual Podres Poderes. Para quem pretende emocionar-se ainda mais é só ouvir Leila Pinheiro numa interpretação impecável, contida no CD Gold, de 2002, da gravadora Universal.

Notinha útil – Pela passagem do DIA DO TRABALHADOR, dedicamos aos milhões de profissionais, esta máxima do notável historiador paulista Sergio Buarque de Hollanda (1902-1982): “Trabalhador é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar” (www.facetasculturais.com.br).

Notinha de felicitações – A nossa Winnie Barros, fundadora desde blog há quase oito anos, nesse 1º de Maio estará aniversariando. A ela, os parabéns da nossa equipe, dos seus familiares, amigos e seguidores. Que tenha muita saúde e vida longa. Aqui duas fotos da matéria “Ciência marca trajetória de talentos”, do jornalista Luís Mansuêto, publicada na revista Amazonas faz Ciência/FAPEAM, há 10 anos, quando era voluntária do CNPq/INPA (www.facetasculturais.com.br).

Por Angeline e Francisco Gomes e Dra Winnie.

Fonte: LP “Velô”, RJ: PolyGram/Philips, 1984.

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