A poesia de Cora, Vinicius e Andrade

Alguns leitores vinham nos cobrando uma edição com abordagem direta sobre a poesia. Que é, por sinal, uma das propostas literárias deste blog. Eis aqui, então, não somente um, mas três poemas e uma carta poema de Cora Coralina, Vinicius de Moraes e Mário de Andrade.

Muito bem. Há alguns anos (muitos anos) um anunciante utilizou as páginas da Veja ou da Istoé, para veicular a sua marca comercial, tendo como pano de fundo, poemas brasileiros. A ideia, além de inusitada, resultou numa publicidade de beleza poética ímpar. Leiamos a seguir:

AOS MOÇOS

Eu sou aquela mulher/A quem/O tempo muito ensinou./Ensinou a amar a vida./Não desistir da luta./Recomeçar na derrota./Renunciar a palavras/e pensamentos negativos./Acreditar nos valores humanos./Ser otimista./Creio numa força imanente/Que vai ligando a família humana numa corrente luminosa/de fraternidade universal./Creio na solidariedade humana./Creio na superação dos erros/E angústias do presente./Acredito nos moços./Exalto sua confiança./Generosidade e idealismo./Creio nos milagres da Ciência/e na descoberta/de uma profilaxia futura/dos erros e violências do presente./Aprendi que mais vale lutar/Do que recolher dinheiro fácil./Antes acreditar do que duvidar” (1).

PÁTRIA MINHA

A minha pátria não é florão,/nem ostenta lábaro não./A minha pátria é desolação de caminhos,/a minha pátria é terra sedenta e praia branca./A minha pátria é/o grande rio secular que bebe nuvem,/come terra e urina mar./Mais do que a mais garrida/a minha pátria tem uma quentura,/um querer bem, um bem./Um “libertas quae sera tamen”/Que um dia traduzi num exame escrito:/”Liberta que serás também/Não te direi o nome, pátria minha,/é patriazinha./Não rima com mãe gentil./Vives em mim/Como uma filha, que és,/Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil” (2).

A CARTA

Devote-se ao Brasil junto comigo./Apesar de todo o ceticismo,/apesar de todo o pessimismo,/acredite que um sacrifício é lindo./O natural da mocidade é crer/e muitos moços não crêem/Nós temos que dar ao Brasil/O que ele não tem/e que por isso até agora não viveu,/nós temos de dar uma alma ao Brasil/e para isso todo sacrifício/é grandioso, e sublime./Os gênios nacionais/não são de geração espontânea./Eles nascem porque um amontoado/de sacrifícios humanos anteriores/lhes preparou a altitude necessária de onde podem descortinar /e revelar uma nação” (3).

ORAÇÃO DO MILHO

Sou a planta primária da lavoura./Sou apenas o alimento/forte e substancial/dos que trabalham a terra,/donde não vinga o trigo nobre./Sou de origem obscura/e de ascendência pobre,/alimento de rústicos e animais de jugo./Fui o angu pesado e constante/do escravo na exaustão do eito./Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante./Sou a farinha econômica do proletário,/sou a polenta do imigrante/e a miga dos que começam a vida em terra estranha./Sou o canto festivo dos galos/na glória do dia que amanhece./Sou a pobreza vegetal/agradecida a Vós, Senhor,/Que me fizestes necessário e humilde./Sou o Milho” (4).

Após esta seleção poética, tentamos escolher um único verso, pelo menos, para destaque deste artigo, mas foi tarefa inglória. Cada um deles é mais belo que o outro. As palavras “grudam” na gente, como fortalecendo o nosso espírito. Fica, portanto, a critério do nosso nobre leitor fazer a sua própria escolha.

Notinha útil – O Programa Radiofônico A VOZ DO BRASIL, transmitido em cadeia nacional direto de Brasília (DF), está completando 80 anos em atividade. Foi criado (e inaugurado) no governo de Getúlio Vargas, em 1943. Às 18 horas em ponto (horário de Manaus-AM), quando entra NO AR e toca a vinheta cuja música incidental é “O Guarani”, de Carlos Gomes, é algo grandioso, mágico. Portanto, daqui para a Rádio Nacional, os nossos parabéns!

Notinha de pesar – Nós, do Facetas estamos sentidos pela partida física, nesta semana, de João Donato e Tony Bennett. Os mestres da Bossa Nova e do Jazz e da música pop, respectivamente. A obra deixada pelos dois há de se perpetuar entre nós e futuras gerações.

Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.

Fontes: 1 e 4 (trechos dos poemas “Aos Moços” e “Oração do Milho”, de Cora Coralina), da obra “Vintém de Cobre”, UFG Editora; 2. (trechos do poema “Pátria Minha”, de Vinicius de Moraes); 3. (trechos de uma carta de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade-1925); e 5. Foto acima, Drummond aos 2 anos de idade (1904). Istoé Senhor, nº 1.060, de 10.01.1990, p. 80.

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