Todos os contos de Clarice

Confesso: é prazeroso demais viver lendo Machado, Graciliano, Adélia, Cecília, entre tantos outros escritores, poetas, contistas, etc. Há alguns meses, o professor Francisco Gomes, como é mais conhecido, ou seja, o meu pai, foi presenteado pela minha prima Joana, com o livro “Todos os contos de Clarice Lispector”, do escritor e historiador norte-americano Benjamin Moser (48).

Porém, somente agora entrou na nossa “pauta” de publicações. Ficando, portanto, sob a minha responsabilidade, tanto a leitura como a síntese para este artigo. Nem precisava dizer, mas já dizendo, trata-se de uma obra imperdível ao leitor apaixonado por literatura, seja a brasileira ou não. Aliás, literatura não tem fronteiras. Ela conduz a nossa imaginação a lugares fantásticos – próximos ou distantes -. Sobre Todos os contos, diz Moser: “Esta obra é o registro da vida inteira de uma mulher, escrito ao longo da vida de uma mulher” (1).

São 85 contos, nos quais “Clarice inova, antes de tudo, a própria escritora (…). Falar em Guimarães Rosa é falar de Grande sertão: veredas. Falar de Machado de Assis é falar de seus livros, e só depois do homem notável por trás deles. Mas falar de Clarice Lispector é falar de Clarice, um simples nome pelo qual é universalmente é conhecida; é falar da mulher em si (…). A sua é uma arte que nos faz desejar conhecer a mulher; e ela é uma mulher que nos faz querer conhecer sua arte” (1).

A minuciosa organização textual de Benjamin que resultou nesta edição de 654 páginas, oferece ao leitor uma visão tanto da arte quanto da mulher, ou seja, “um retrato inesquecível na e através da sua arte, dessa grande figura, em toda a sua trágica majestade” (1). Isso, sem dúvida, explica o “fascínio feminino” que (ainda) exerce sua memória e exercerão as suas obras publicadas. “Meio século ou mais depois de terem sido escritos, muitos destes contos, lidos em um contexto histórico inteiramente diferente, não perderam nada de seu caráter inovador, nada do poder de chocar” (1).

“Nasceu em 10 de dezembro de 1920, numa família judia do oeste da Ucrânia. Era uma época de caos, fome e guerra racial. Seu avô foi assassinado; sua mãe foi violentada; seu pai foi exilado, sem um tostão, para o outro lado do mundo. Os restos dilacerados da família chegaram a Alagoas em 1922. Lá seu brilhante pai, reduzido à condição de vendedor ambulante de roupas usadas, mal conseguia alimentar os filhos e a esposa. Lá, quando Clarice ainda não tinha nove anos de idade, perdeu a mãe, levada pelos ferimentos sofridos durante a guerra” (1).

Mesmo assim, a moça não desistiu de buscar para si uma educação de qualidade. Migrou para o Rio de Janeiro onde foi trabalhar na redação de jornal. E, depois se formou em Direito pela UFRJ, vindo a ser excelente tradutora. E, por fim, escritora. Tornando-se uma das maiores influências da literatura brasileira do século XX. Aos 20 anos, por exemplo, publica seu primeiro conto: “O triunfo”. Posteriormente, vieram, é claro, outras obras como O lustre, A hora da estrela, entre outras. Um dia antes de completar 57 anos de idade, Lispector morreu no Rio de Janeiro (RJ), vítima de câncer de ovário, nos deixando um vasto legado literário.

Com a estrela de quem nasceu predestinada para o ofício literário, a jovem decidiu ser escritora aos 13 anos. Aos 23, no entanto, em 1943, publica Perto do coração selvagem, de linguagem culta, sofisticada. Numa época em que a nossa literatura era dominada pelo regionalismo de Graciliano, Veríssimo, Jorge Amado, etc. Logo após esse lançamento, a autora foi morar na Europa/América do Norte, com o marido, o diplomata Maury Gurgel Valente. Somente retornou ao Rio, 17 anos depois, separada e mãe de dois filhos. Mas, continuou lançando livros e escrevendo para jornais e revistas.

“Foi no âmbito do conto, no entanto, que ela se projetou de modo invulgar, dominando como ninguém esse que alguns críticos consideram o mais difícil dos gêneros literários, pelo fato de exigir criatividade, concisão e ritmos irretocáveis. Com a publicação de Todos os contos, estudiosos e admiradores terão a oportunidade de obter uma visão panorâmica dos 34 anos de atividade da autora, por intermédio de contos já confirmados como dos melhores da literatura brasileira, em todos os tempos. É um feito cuja importância histórica a própria autora não ter percebido, já que só poderia ocorrer retrospectivamente”.

“Esta realização reside na segunda mulher que ela conjura. Se Clarice era uma grande artista, também era esposa e mãe de classe média. Se o retrato da artista extraordinária é fascinante, o mesmo se pode dizer do retrato da dona de casa comum cuja vida é o tema deste livro. À medida que a artista amadurece, a dona de casa envelhece. Quando Clarice é uma adolescente desafiadora e consciente do seu potencial – artístico, intelectual, sexual – as moças dos seus contos também o são. Quando , em sua própria vida, o casamento fracassa, quando seu filhos deixam o lar, estes afastamentos se refletem em suas histórias. Quando Clarice, antes tão gloriosamente bela, vê seu corpo sujo de gordura e rugas, seus personagens observam nos seus corpos o mesmo declínio; e quando ela enfrenta o último desenlace da velhice, da doença e da morte, eles estão do lado dela” (1).

É uma avaliação fantástica! Seja da arte, seja da vida, da realidade, do tempo. Tanto eu como a minha irmã nos habituamos à boa leitura, e vamos longe. Espero assim, ter contribuído com a leitura dessa obra, e outras, por todos que nos seguem neste blog.

Notinha útil 1 – No dia de hoje, 29 de março, comemoramos os 68 anos do responsável pela criação desse blog, Professor Francisco Gomes da Silva. Muitas felicidades e saúde para meu querido pai que, desde cedo, ensinou-me que dinheiro e riquezas são almejadas por todos, porém, apenas cultura e sabedoria poderiam transformar o mundo para melhor.(www.facetasculturais.com.br).

Notinha útil 2 – Amanhã a matriarca da família Sabino/Gomes de Pauini (AM), D. Angelina Gomes, estará completando 89 anos de idade. O contentamento de todos os filhos e parentes é um só: desejarem lhe muita saúde e vida longa. Os parabéns do Facetas! (www.facetasculturais.com.br).

Notinha útil 3 – Os nossos parabéns aos estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO, Campus de Vilhena, que “desenvolveram projeto para casa de apoio em parceira com a ONG Amor à Vida”, conforme excelente artigo publicado por aquela Instituição, em fevereiro de 2025. Entre outros alunos, está Joana Silva, citada no início deste artigo (www.facetasculturais.com.br).

Por Angeline Gomes.

Fonte consultada. Lispector, Clarice. Todos os contos. Org. Benjamin Moser. 1 ed. – RJ: Rocco,2016

Deixe um comentário