Dez anos de bossa nova

Quem nasceu nas décadas 60 ou 70, cresceu ouvindo os astros da música internacional como The Beatles, Elvis Presley, entre outros. Porém, no Brasil, vivia-se o auge da bossa nova, da jovem guarda, do tropicalismo, etc. Passado um pouco mais de meio século dessas “ondas” que embalaram a juventude, principalmente, ouve-se, ainda, o que de melhor foi produzido naquela época da música, como um todo.

“Garimpando” aqui e ali em sebos e lojas de discos, a nossa equipe conseguiu esse LP de 1970: “10 anos de bossa nova”, com “os doze maiores êxitos da BN e suas gravações originais, cuja seleção fora feita  pelo jornalista, radialista e estudioso da MPB”, o carioca Júlio Hungria (1938-2015). Entre as 12 músicas estão: Chega de Saudade (Tom-Vinicius), Rapaz de Bem (Johnny Alf), O Barquinho (Roberto Menescal-Ronaldo Bôscoli), Garota de Ipanema (Tom-Vinicius), Chora Tua Tristeza (Oscar Castro Neves-Luvercy Fiorini), interpretadas por diferentes artistas.

Na contracapa do mencionado disco, consta o seguinte comentário de Hungria, transcrito por nós na sua íntegra. Pois, o texto retrata fielmente as característica daquele movimento musical: “Exatamente há 10 anos a MPB iniciava um novo período em sua história. Foi em 1959 que saiu o primeiro LP de João Gilberto, que tem sido tomado como o marco inicial do movimento que ganhou o nome de BOSSA NOVA. Um movimento positivo, sem dúvida, apesar das influências e das críticas. A bossa nova abriu as portas do mercado exterior do nosso produto musical e, consequentemente, alargou o mercado interno de trabalho. A bossa nova, além do mais, tornou a música popular entre nós um assunto mais sério. Hoje, de um modo geral, quase todo compositor nacional escreve por esse gênero de música. Antes, apenas a tendencia irresistível de compor criava os sucessos.

À época e, para um gênero musical tão criança – com apenas uma década de existência -, mas já demonstrava ao que veio. Eis aqui, dois exemplos sobre essa força musical: Tom Jobim: “A bossa nova é o encontro do samba brasileiro com o jazz moderno”; e a revista “Life”: “A bossa nova é, em princípio, o diálogo ou a conjunção do samba brasileiro, cálido e sensual, com o jazz moderno, abstraído e intelectual. O samba lima as asperezas do jazz, arredonda as suas angulosidades. O jazz, com as suas improvisações livres, mas disciplinadas, rompe os moldes tradicionais do samba e, afinal, o revigora”.

Para quem viveu os primeiros momentos, nervosos e indecisos, do movimento que conseguiu contagiar por certo tempo todo país, influenciar por muito tempo a música americana que antes nos influenciara e reformular, radicalmente, toda a estrutura da música popular brasileira (da música aos músicos, dos compositores aos arranjadores, das fábricas aos editores), tudo o que se tornou realidade parece, de certa forma, um sonho.

Um sonho pode nos parecer a carreira da bossa nova e todo o saldo positivo que ela deixou ao ser assimilada pelas várias correntes que a sucederam em nosso cenário nacional. No entanto, quando nos dispomos a recompor estes 10 anos, nos deparamos com uma realidade evidente: a nossa música amadureceu, tornou-se adulta nestes 10 anos e pode agora competir no mercado externo (e mesmo no interno) com a música da Europa e a dos Estados Unidos.

Em 1959, estudantes da Pontifícia Universidade Católica, participamos dos primeiros passos do movimento que se cristalizou a partir de um espetáculo dado para 3 mil pessoas no anfiteatro da Faculdade Nacional de Arquitetura, na Praia Vermelha (22/9/59). Hoje, passados 10 anos, reencontramos a bossa nova revivida num disco comemorativo que, por seu próprio repertório, representa todo um período da história do nosso cancioneiro popular. Uma antologia dos anos marcantes (1959/1963), da Chega de Saudade (primeiro LP de João Gilberto) à Garota de Ipanema (que nos levou às listas de mais vendidos nos Estados Unidos. E ainda o precursor Rapaz de Bem (Johnny Alf, 1949). A raiz de tudo que se renovou.

Comemoramos 10 anos. Dez anos sumamente importantes. Do sonho à realidade, do idealismo ao profissionalismo, o caminho foi longo. Mas o brasileiro consume agora 90% mais a sua música e, no exterior, 7 anos depois do Carnegie Hall (21/11/62), o sucesso continua evidente.

Parabéns, bossa nova” (1).

Passados 55 anos da publicação deste histórico comentário de Hungria, a bossa nova continua suavizando aos nossos ouvidos. Seja com as inesquecíveis canções interpretadas por veteranos como Roberto Menescal, Marcos Valle e outros; seja pela geração intermediária como Paula Morelenbaum, Leila Pinheiro, Wanda Sá ou Mônica Salmaso; seja pela novíssima geração de cantores (desse e de outros gêneros) como Analu Sampaio e Roberta Sá, seja por muitos outros artistas. A BN contagiou (e contagia) seus ouvintes – dentro e fora do Brasil – com uma musicalidade ímpar, passados quase oitenta anos de seu pontapé inicial.

Aos nossos leitores, independe do estilo que apreciam, o mais sagrado é ouvir m- ú – s – i – c – a.

Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.

Fonte consultada; 1. LP: “10 anos de bossa nova”, RJ: gravadora Philips, 1970.

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