Cora Coralina: “Menina mal amada”

A maioria dos livros didáticos são muito bom, interessantes. Principalmente os do ensino fundamental. Até porque são a base da formação do conhecimento de crianças e adolescentes. Quando o conteúdo é bem pesquisado a obra fica apaixonante. Por exemplo, assim o são os livros de Leila Lauar Sarmento (licenciada em Letras pela UFMG). Leitura, também, indicada aos adultos, sem dúvida.

No livro de Português da 6ª Série os temas publicados pela autora são muito bem selecionados e compreensíveis, é claro. Tanto pelas Unidades quanto pelos Capítulos, como: “Modo de amar“, “Convivência familiar“, “Gente em família“, entre outros. Os autores por ela selecionados são: Cecilia Meireles, Jorge Amado, Carlos Drummond, Carlos Eduardo Novaes, Renato Russo, Clarice Lispector, etc, inclusive escritores do porte de Jostein Gaarder, autor de “O mundo de Sófia”.

Da obra ora em análise, extraímos “Menina mal amada”, da poetisa goiana Ana Lins de Guimarães Peixoto Bretas, ou melhor, Cora Coralina (1899-1985), que somente publicou o seu primeiro livro aos 75 anos de idade. “Em seus versos, há muito das lembranças e imagens que guardou da infância“. O poema que publicamos neste artigo, além de narrativo é um texto autobiográfico, cujo personagem Aninha representa a própria Cora.

“Dentre suas obras, constam: Estórias da casa velha da ponte, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (de 1985, no qual foi inserido texto abaixo), Meu livro de cordel, e Vintém de cobre: meias confissões de Aninha“. Vamos, então, ao fragmento do belo poema em questão:

“[…] Tanta coisa me faltou./Tanta coisa desejei sem alcançar./Hoje, nada me falta, me faltando sempre o que não tive./Eu era uma pobre menina mal amada./Frustrei as esperanças de minha mãe, desde o meu nascimento./Ela espera e desejava um filho homem, vendo meu pai doente irreversível./Em vez, nasceu aquela que se chamaria Aninha./Duas criaturas idosas me deram seus carinhos:/Minha bisavó me acudia quando das chineladas cruéis de minha mãe. //No mais, eu devia ser, hoje reconheço, menina enjoada, enfadando as jovens da casa e elas se vingarem da minha presença aborrecida, me pirraçando, explorando meu atraso mental, me fazendo chorar e levar queixas doloridas para a mãe que perdida no mundo de leitura e negócios não dava atenção. //Quem punia por Aninha era mesmo minha bisavó./Me ensinava as coisas, corrigia paciente meus mal feitos de criança e exortava minhas irmãs a me aceitarem. //Daí minha fuga para o enorme quintal onde meus sentidos foram se aguçando para as pequenas ocorrências de que não participavam minhas irmãs. // Minhas impressões foram se acumulando lentamente e eu passei a viver uma vida estranha de mentiras e realidades./E fui marcada: menina inzoneira. // Sem saber o significado da palavra, acostumada ao tratamento ridicularizante, esta palavra me doía. // Certo foi que eu engenhava coisas, inventava convivências com cigarras, descia na casa das formigas, brincava de roda com elas, canta “Senhora D. Sancha”, trocava anelzinho. // Eu contava essas coisas lá dentro, ninguém compreendia./Chamavam, mãe: vem ver Aninha…/Mãe vinha, ralhava forte./Não queria que eu fosse para o quintal, passava a chave no portão./Tinha medo, fosse um ramo de loucura, sendo eu filha de velho doente./Era nesse tempo, amarela, de olhos empapuçados, lábios descorados./Tinha boqueira, uma esfoliação entre os dedos das mãos, diziam: “Cieiro”./Minhas irmãs tinham medo que pegasse nelas./Não me deixavam participar de seus brinquedos./Aparecia na casa menina de fora, minha irmã mais velha passava o braço no ombro e segredava: “Não brinca com Aninha não. Ela tem Cieiro e pega na gente”./Eu ia atrás, abatida, enxotada./Infância… daí meu repúdio invencível à palavra saudade, infância…/Infância…Hoje, será” (1).

Brindamos com o fantástico poema acima, todos os nossos leitores. E, mais essa pitada de sabedoria da mesma poetisa: “Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico com a música de seus versos”.

Notinha útil – 18 de outubro, comemora-se o Dia do Médico. Portanto, a toda a classe, os parabéns do Facetas. Especialmente ao Dr. David Barros, leitor de nossos artigos semanais, médico do Exército Brasileiro lá na grande Recife – PE (www.facetasculturais.com.br).

Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.

Fonte consultada: 1. Sarmento, Leila Lauar. Português: leitura, produção e gramática – 2. ed. – SP: Moderna, 2006.

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