“A Amazônia no Brasil. O Brasil na Amazônia”

   

Imagem: Roberta Balog/Pixabay

    Aparentemente, do ponto de vista ambiental, tudo anda muito calmo na Amazônia Brasileira. Contrastando assim, com os dias de aflição vividos por milhares de pessoas, nos últimos três anos, em Minas Gerais. Nos anos 80 tudo “fervia” no mundo amazônico. As notícias tanto eram nacionais quanto internacionais: reportagens, documentários, filmes, canções, etc. Só se falava em “internacionalização da…”, “soberania da…”, “ecologia da…”, entre outros temas. 

     Por exemplo, o “maluco beleza” Raul Seixas, cantava: “A Amazônia é o jardim do quintal” (1). O “rei” Roberto Carlos também registrou a sua “preocupação”: “Amazônia, insônia do mundo” (2). O cantor britânico Sting, ex-The Police, disfarçado de preservacionista, marcou presença na região. A lista de famosos era enorme. Inclusive, em alguns pontos de Manaus (AM), lia-se: “Amazônia: quem te U.S.A não te ama”.
     No início de maio de 1987, a imprensa local estava animada. Noticiava-se todos os dias: “A capital amazonense iria sediar a IV Reunião da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência”. Presentes estariam os mais renomados cientistas, pesquisadores, palestrantes, jornaistas, entre outros, de várias partes do Brasil. Então, tudo saiu como fora planejado: o governo do Estado arcou com as despesas – até fez mesa redonda e propaganda. Os debates ocorreram entre 11 e 14 daquele mês.
     Passada a euforia, as coisas voltaram ao status quo. A Amazônia permaneceu “intacta”. A vida local seguiu a sua rotina. Os cientistas, às suas pesquisas e os homens públicos… Porém dias depois, logo no início de junho, chegava às bancas de jornais e revistas, o novo exemplar da “Ciência Hoje”, com o seguinte editorial: A AMAZÔNIA NO BRASIL. O BRASIL NA AMAZÔNIA. Seu conteúdo é fantástico (e está isento de qualquer paixão político-partidária). Contundente? Sim. Mas, sem perder a “ternura” dos fatos. Por isso, o Facetas reproduz aqui alguns trechos, assim:
   1. “Todos sabem o que a existência da Amazônia significa para o Brasil. No entanto, a presença do Brasil na Amazônia não tem significado tão claro”.
     2. “É uma região que tem sido explorada. Por onde passa o progresso, a civilização deixa a terra arrasada. A floresta é derrubada e substituída por culturas de mercado”.
     3. “Ignorante e prepotente, forte com suas máquinas, o civilizado reage à derrota com novas devastações. O ciclo da violência não tem fim. Busca-se no subsolo o que o solo não dá. Abre-se a terra, expulsam-se habitantes seculares. Máquinas e recursos – muitos recursos – são usados na lavra, que escoa para o exterior legal ou ilegalmente, ou para o Sul do país. Na terra, para o homem que nela habita, sobra um pouco além de um punhado de vilas, carentes de tudo”.
     4. “Urbanizar e asfaltar tornaram-se meta em si. Aglutina-se assim a miséria, reúnem-se os homens, localizam-se os palcos dos conflitos onde se sucedem tragédias e comédias. Doenças, miséria, prostituição e quinquilharias eletrônicas se confundem na paisagem. Será isso o progresso? A saúde permanece ao deus-dará. Em Manaus, mal conseguem os jovens a alfabetização necessária para trabalhar na indústria, que monta parcialmente seus produtos, os remete para o Sul e novamente os importa para colocá-los à venda na zona franca”.
     5. “Se não se educa para a indústria, muito menos para entender a floresta. Ela é inimiga. A milenar cultura da terra, que aprendeu a extrair da natureza sustento, proteção e cura, é perseguida. A memória é cancelada. A identidade, repudiada. Sai o cupuaçu, entre a Coca-Cola. 
      6. “Os índios passam a ser vistos como marginais incômodos, ocupantes abusivos de solos e subsolos valiosos. Pouco se sabe de sua cultura, hábitos e conhecimento da terra que habitam. Que interesse há em saber tudo isso, se o mercado é “livre”, se a zona é “franca”? Humilhados, expulsos, marginais entre marginais, eles guardam, com orgulho, as chaves da convivência do homem com a floresta”.
     7. ” A batalha pela sobrevivência física e cultural das populações indígenas e caboclas é de vida e morte para a Amazônia. Derrotas, elas levarão consigo os segredos da floresta. Onde está a civilização, onde está a barbárie? No homem da selva ou nos homens da motosserra e do carterpilar?  Na conservação ou na devastação? Se a motosserra vencer,  o futuro da Amazônia é o asfalto. Não será mais necessário conhecer o ciclo das águas (que abrigam 2.500 espécies de peixes a serem estudadas), a farmacopeia da floresta (com 4.000 plantas dotadas de propriedades medicinais), a espantosa variedade da fauna local (que representa nada menos do que a metade das espécies animais do mundo).

     8. “Perdida a batalha do conhecimento, da cultura indígena da terra, não haverá mais obstáculos para mineradoras e camelôs de bugigangas eletrônicas, nem para a agropecuária de exportação (se houver solo para ela). A colônia permanecerá colônia”.
     9. “O que fazer? Reconhecer que a urbanização gerou monstrengos, que a mineração rasgou a terra e deixou o vazio, que a destruição da floresta não permite monoculturas de mercado, que as pastagens não desistem dos solos locais. Reconhecer que a floresta não é intocável, mas que é preciso saber como, onde e até que ponto se deve tocá-la. Entender o fracasso de um processo que anda lado a lado com a propagação das doenças, da ignorância, dos conflitos que acompanham a expansão da fronteira”.
     10. ” É preciso estabelecer um pacto de PAZ com a floresta. Homem e natureza precisam voltar a conviver e a contar, um para o outro, os seus segredos. É preciso pesquisar mais, estudar e conhecer a natureza e os ´processos sociais. Educar o homem. Fazer surgir um novo modo de vida, uma nova civilização em que a motosserra, o asfalto e a eletrônica não sejam mais símbolos de barbárie”.
     A verdade dói. Mas, ela deve ser dita e redita, sempre. Os tópicos acima refletem a verdade econômica, política e social regionais. Trazer à tona um assunto discutido há 32 anos, não quer dizer expor a Amazônia ou denegri-la, mas conclamar todos para uma conscientização maior, universal. 
     HOMEM e NATUREZA precisam contar um para ou outro, os seus segredos. Conter o ciclo da violência que grassa em todos os aspectos regionais. Debelar os velhos conchavos provincianos. O amazônida precisa educar-se urgentemente, sob pena de ver recrudescer a colônia pela colônia. “Agora é free, tudo free” (gritava Raulzito). A Zona Franca é uma senhora que chegou aos 51 anos de existência, mas cheia de limitações e, está à beira da falência multipla dos seus organismos. 
     “O que fazer”?
     Nas próximas décadas, tudo poderá nos custar muito caro, se não houver uma reflexão sobre os itens acima numerados.
     Fontes
     1. “Aluga-se”, do LP Abra-te Sésamo, CBS, 1980.
     2. “Amazônia”, do LP Roberto Carlos, CBS, 1989
     3. Revista “Ciência Hoje”, vol. 6, nº 31, maio de 1987, p. 5
  

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