Foi tão difícil fazer a escolha do poema do mês, que optamos por dois, ao invés de apenas um. Após pesquisas e leituras – independente de ser o (a) ou a autor (a) regionais, nacionais ou internacionais -, o que nos cativa é a qualidade poética, isto é, aquilo que há de belo, de sublime; cujos versos possam preencher o nosso interior, o nosso sentimento de contentamento, e por que não, a nossa contemplação? Vamos então, de Cecília Meireles e Vinicius de Moraes.
Por exemplo, iniciemos com “O ENORME VESTÍBULO”, da escritora e poetisa carioca Cecília Meireles (1901-1964). Após as nove estrofes do poema o (a) leitor (a) terá a convicção do quanto há de sensibilidade poética em cada palavra, em cada verso. Tudo fica mais forte ainda quando se constata que tudo é narrado na primeira pessoa do singular: “Quero mirar minhas distâncias”; “Deixa-me andar por muito tempo”; “Vejo caminhos sem muralhas”, etc.
Vamos ao todo: “Deixai-me andar por muito tempo/neste vosso enorme vestíbulo,/quando os lacaios não existam/e a luz do lustre, que é tão plácida/, envolva em mãos de brando sono/a alva, pregueada escadaria,/límpido vestido sem dono. // Quero mirar minhas distâncias/nos espelhos de cada lado,/e ouvir o sonho das resinas/nas curvas cômodas lustrosas/como uns estranhos contrabaixos/que, em vez de música, dão rosas. // Deixai meu passo amortecido/ir e vir pelo branco e preto/mármore calmo, que outros pisam/sem ver… – levados pela pressa/de alcançar a festa, nas salas/onde perfis, sedas e risos,/copos de oscilantes topázios,/criam ruidosos paraísos. // Deixa-me aqui, livre e sozinha,/diante das portas encantadas/que anulam os jardins da noite. // Pelo balaústre, florescem/lírios verdes, que nunca morrem/nem nunca viveram. E a abstrata/luz inviolável dos espelhos/dorme sem uma só presença/de lábios, perguntas, olhares,/agasalhada no silêncio/de seus sucessivos lugares. // Neste vosso longo vestíbulo,/vou-me esquecendo do meu nome,/vou desconhecendo meu rosto,/vou-me perdendo e libertando/em pura matéria divina./Nas teias de sonho que teço/ – quem fico sendo, em meu limite,/sem ver meu fim nem meu começo? // Deixai-me neste solitário/recinto, onde tudo ressoa/como se atrás do mundo houvesse/uns alarmados moradores/de olhos eternamente abertos./Deixai-me escutar seus clamores,/que são como os de meus desertos. // No desnudo mármore, o tempo/deixa o resto perseverante./Pela transparência dos vidros,/vejo caminhos sem muralhas./O ar é de apelo e confidência./Tudo dissolve seus segredos./Entre todos os convidados,/eu só guardo a sombra da festa:/pequena bússola em meus dedos” (1).
Ainda com emoção à flor da pele. Nada melhor que finalizarmos como “O FALSO MENDIGO”, do poeta cariosa Vinícius de Moraes (1913-1980), cuja inquietude da personagem diante da vida – também escrito na primeira pessoa do singular -, é algo desalentador. Leiamos a íntegra do poema: “Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda/Quero fazer uma poesia./Diz a Amélia para preparar um refresco bem gelado/E me trazer muito devagarinho./Não corram, não falem, fechem todas as portas a chave/Quero fazer uma poesia./Se me telefonarem, só estou para Maria/Se for o Ministro, só recebo amanhã/Se for um trote, me chama depressa/Tenho um tédio enorme da vida./Diz a Amélia para procurar a Patética no rádio/Se houver um grande desastre vem logo contar/Se o aneurisma de dona Ângela arrebentar, me avisa/Tenho um tédio enorme da vida./Liga para a vovó nenén, pede a ela uma ideia bem inocente/Quero fazer uma grande poesia./Quando o meu pai chegar tragam-me logo os jornais da tarde/Se eu dormir, pelo amor de Deus, me acordem/Não quero perder nada na vida./ Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar?/Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas?/Tenho um tédio enorme da vida./Minha mãe estou com vontade de chorar/Estou com taquicardia, me dá um remédio/Não, antes me deixa morrer, quero morrer, a vida/Já não me diz mais nada/Tenho horror da vida, quero fazer a maior poesia do mundo/ Quero morrer imediatamente./Ah, pensa uma coisa, minha mãe, para distrair teu filho/Que estala em força, sacrifício, violência, devotamento/Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes/e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poesia dos retratos./Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava/que rebentava daquelas páginas” (1).
Show, show, show! Não há como “escapar” desses dois poetas, e de milhares de outros iguais a esses, que sãos “as antenas do mundo”. Leia detidamente os dois poemas. Nos faz bem refletir, sempre. Principalmente agora que o mundo computou a cifra de OITO bilhões de pessoas espalhadas pela Terra. Numa ERA em que as contendas só aumentam (devido aos interesses sem escrúpulos), dentro e fora do Brasil, nada melhor que sermos prudentes. Contamos com todos os nosso leitores.
Por Angeline, Francisco e Winnie.
Fonte: 1. Tersariol, Alpheu. Manual Prático de Redação e Gramática. – SP: Li-Bra Editorial, 1977, pp. 885 e 887/888.