Quando, em 1986, a gravadora CID lançou um estojo Especial com 6 LPs, neles contidas mais de 100 músicas de todas as regiões brasileiras, de diferentes compositores, sob o título O MAIOR CARNAVAL DO MUNDO, não foi exagero ou lorota comercial. Mas sim, a realidade do nosso contexto carnavalesco. Carnaval esse que envolve todas as pessoas – direta ou indiretamente -, dentro ou fora do Brasil. A sua magia é contagiante. Não há como ignorá-lo.

Ao abordar essa temática, a nossa equipe facetista ficou sem saber o que publicar hoje, diante de tantas fontes, tantos conteúdos, sejam de blocos carnavalescos ou escolas de samba; sejam de trios elétricos ou de clubes de bailes; sejam nos locais previamente autorizados pelas autoridades competentes das vias públicas, em Manaus, Salvador, Recife, Olinda, São Paulo, Rio de Janeiro, entre tantas outras cidades.
Resolvemos, portanto, partir para os comentários e/ou as letras de samba de enredo. Por exemplo, o disco “Histórias das Escolas de Samba: MANGUEIRA” (1974), traz um relato fantástico do pesquisador Sérgio Cabral (pai). “A Mangueira é um festa”; o LP nº 75 – Escolas de Samba II, da “Coleção Nova História da MPB”, contém fatos e fotos históricos de 1978. Numa delas, estão juntos: Cartola, Nelson Cavaquinho e Seu Juvenal; outro disco, “Carnaval de Pernambuco”, da Banda de Música 1° de Novembro (Pé de Cará), de 1979, tem o texto interessante (contracapa); ou ainda, os LPs (álbum duplo – volumes I e II “Carnaval não é brincadeira!” com artigos de José Ramos Tinhorão e Marcus Vinicius, sobre Frevo e Marcha Rancho e mais de 40 músicas.
porém, entre tantas informações, destacamos aqui o enredo da G. R. E. S. Beija-Flor de 1991, “Alice no Brasil das Maravilhas”, dos autores: Pelé, Cláudio Inspiração, Tonho Magrinho e Paulo Roberto. Carnavalesco: Joãozinho Trinta. Intérprete: Neguinho da Beija-Flor. Em síntese, a citada Escola em foco, diz assim o porquê do tema daquele ano:
“Entre sonho e a realidade, deixando correr a imaginação. Alice é feita de coração e poesia. Alice representa a nossa alma, nosso espírito, nossa vontade, nossos desejos, dúvidas e inquietações. Mas o seu grande valor é que ela, uma menina, não tem medo. Por isso seguiu atrás do coelhinho malandro vestido de verde e amarelo que somos todos nós.
Olhando o relógio que marca apressadamente os séculos, ele dava no pé, dizendo: estou com pressa, muita pressa. Será que falava do Brasil? O ano 2000 está aí e nós estamos muito atrasados, bastante atrasados. E lá vai Alice atrás do coelho tagarela. Entra na toca do malandrinho e cai no abismo. É o Brasil mesmo.
A caída é longa. Tudo vai para o fundo. No final, Alice chega num grande salão com muitas portas fechadas, outras sem fechaduras, outras abertas sem levar a lugar nenhum. Só não é um beco sem saída porque existe uma portinha bem pequenina, a menor de todas, mostrando um lindo jardim, princípio de floresta, nossa natureza – a Mãe Terra.
Mas a porta é estreita. Alice toma um licor, diminui demais e esquece de apanhar a chave de ouro na mesa de cristal. Come um pudim e cresce, ficando gigante. Desespera-se e começa a chorar, afogando-se em suas próprias lágrimas. Igualzinho como acontece conosco.
E aí aparece o Don Lagarta que pergunta: quem é você? Alice brasileira e nós brasileiros não sabemos responder.
Já perdemos nossas identidades, nossas caras. E o Don Lagarta dá a grande lição de sua evolução. Transforma-se em deslumbrante borboleta. Manda Alice e todos nós seguirmos em frente, em busca de nossos caminhos, enfrentando desafios, descobrindo horizontes, acumulando experiência, e atravessando espelhos conflitantes, para ganhar, finalmente, a grande partida de xadrez da vida” (1).
As “estripulias” de Alice não param por aí. Leiamos, no entanto, o poema-canção (não deixa de sê-lo, no sentido lato sensu) dos compositores acima citados, que naquele ano deu à Beija-Flor, o título de Vice-Campeã, na interpretação de Luiz Antônio Feliciano Marcondes (73 anos), o popular artista Neguinho da Beija-Flor de Nilópolis: “Brincando com a imaginação/Hoje sou fantasia/Um lindo beija-flor anunciando/Uma viagem ao Brasil das maravilhas/Atrás do coelhinho apressado/Alice cai no abismo… se perdeu/Descobre a realidade/Ele é o brasileiro/E a brasileira aqui sou eu // Quem sou eu/Quem sou eu/As miragens no espelho/Que o poeta imaginou // No derramar de nossas lágrimas/Surge então a chave pro jardim/Dádiva da nossa natureza/Criando um país assim/Um gigante às vezes tão pequeno/Entre licores e pudins/E amanhã, o que será/Respondam o que será de mim // Lagarta ou borboleta/Peão ou rei/Hoje vão rolar cabeças/Nesse jogo de xadrez” (1).
Passados mais de três décadas de “Alice no Brasil das Maravilhas”, o abismo ainda está bem ali. Dentro dele estão os “Bichos medonhos”, como canta Zé Ramalho. É o Brasil do fim do mundo. Precisamos, todos, ficar longe desses entes tenebrosos, são e salvos (mens sana in corpore sano). Aos foliões ou não foliões, o Facetas deseja um Carnaval 2023 de muita paz e harmonia.
Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.
Fonte: 1. Os LPs de Samba de Enredo (Grupo Especial) do Carnaval do Rio, gravadora RCA, 1991.