Barreirinha: Quilombos no Amazonas?

“O corajoso olhar para o passado é a melhor forma de construção do futuro. A escravidão é a pior das nossas marcas; atravessou 75% da nossa História conhecida” – Miriam Leitão, economista. Diário do Amazonas, 07.09,2006.

Há que quem diga que a participação do negro na formação social, política e econômica do Amazonas, quando da escravidão, foi ínfima. Contam que o colonizador queria mesmo era escravizar apenas índio. Dessa forma, não há por aqui, numerosos afro descentes como em outas capitais brasileiras. Ledo engano desses autores, desses “estudos”.

Porém, como a História é dinâmica, novas pesquisas confiáveis trazem fatos antigos, até então desconhecidos pela maioria das nossa gente local. Isto é, tudo se renova, provam os estudiosos. Como bem o disse Guimarães Rosa: “Mira… Veja: o que há de mais bonito no mundo é que as pessoas não estão acabadas; elas não foram terminadas” (1).

Por exemplo, o livro “Quilombos do Andirá: das travas à abertura dos cadeados”, da professora Magela Mafra, da UFAM, mostra bem esse novo olhar da historiografia amazônica. Trata-se de um estudo relevante na análise do quilombo existe no Município de Barreirinha (AM), em conformidade com a suas considerações e as de outros mestres, sobre a sua obra.

A notável doutora Marilene Corrêa, também da UFAM, diz: “A autora exibe talento e competência ao sustentar uma tese com processos de longa duração, neste belo livro. Ao introduzir o leitor no itinerário de luta, marcado pela autoidentificação, autodefinição de pertencimento a um grupo étnico e reconhecimento de direito, o livro reconstrói a cartografia da luta social, em Barreirinha, no Andirá. Desvenda outra dimensão da Amazônia profunda, dos mocambos aos quilombos, em diferentes expressões da condição ribeirinha, em novos nexos de explicação e compreensão das relações entre etnicidade, territorialidade e poder” (1).

Diz ainda: “Um quadro teórico e empírico, vital para análise da Amazônia, que se revela pelos conflitos. Sob as árvores e entre as malhas de rios, que formam biomas e ecossistemas, os novos sujeitos impõem suas histórias, e apresentam-se aos aliados em compromissos, que recusam-se a atestar os esquecimentos e o desconhecimento” (1).

Por sua vez, o pesquisador do CNPq Alfredo Wagner Berno, garante que a autora não quis configurar, apenas, “noções ou territórios autônomos”, por um lado. “De outra parte, no Estado do Amazonas, muitas interpretações cultivaram o mito de que não havia escravos. Elidia-se o sistema repressor da força de trabalho dos seringais, dizendo que não compreendia relações análogas a trabalho escravo. Ao negar a escravidão, tais intérpretes regionais legitimavam o aviamento ou o endividamento prévio por meio do crédito propiciado aos extrativistas por comerciantes e pelos denominados “patrões”, cujas empresas controlavam a economia gomífera” (1).

A professora da UFSC, Ilka Boaventura comunga do mesmo raciocínio do mestre acima citado, apontando: “A imagem dos cadeados se abrindo revela a pujança do relato extraído da dura realidade vivida pelo povo do Andirá, mas também o modo sensível com que a professora Magela se apresentou aqui em sua tarefa de ouvir e narrar a trajetória de luta exemplar que permeia décadas, séculos nesta parte preciosa da Amazônia brasileira” (1).

E vai além, assegurando que a pesquisa em foco fortaleceu a Nova Cartografia Socia da Amazônia “sobre as comunidades quilombolas do rio Andirá nossos conhecimentos sobre a luta, resistência e coragem do povo negro, indígena, ribeirinho, entre outros, pelo reconhecimento de seus territórios nas diversas regiões do Brasil. A pesquisa realizada por Magela, aprofunda em diversas etapas de sua formação tem sido, sem sombra de dúvida, uma contribuição relevante para documentar e sobretudo, elucidar os processos de territorialização negra na região amazônica, desvelando modalidades de uta que dialogam diretamente com as de outras partes do país e das Américas” (1).

As comunidades remanescentes de quilombo ficam, como já foi dito, no Município de Barreirinha (AM), localizado às margens do rio Andirá, no Baixo Amazonas, distante 375 km de Manaus, em linha reta, e 420 km, por via fluvial. Foram, portanto, essas unidades sociais objeto da pesquisa apresentada pela autora em questão, em 2016 (cujo levantamento inicial ocorreu em 2012), junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federam do Amazonas.

De acordo com a pesquisadora, “o ponto de partida da observação são as circunstâncias sociais percebidas. Dentre estas, o conflito agrário se torna evidente, sobretudo com e a partir da luta do movimento político-organizativo pela conquista da terra, ao longo do processo de construção e afirmação da identidade quilombola” (1). Esse, então, é “o objetivo da pesquisa”, que contextualiza esses e outros elementos. Os quais foram criteriosamente estudados, resultando nessa rica obra.

“E, quando se trata dessa relação homem/ambiente, vale ressaltar a intimidade que os quilombolas estabelecem com o espaço onde vivem e que consiste em práticas de conservação; da preservação ambiental e no manejo do solo de forma sustentável. (…) Os quilombolas do rio Andirá assumem um importante papel na manutenção de seus territórios” (1).

Portanto, cabe a pergunta: Quilombos no Amazonas? Sim. Como confirma a ex-presidente da Federação das Organizações Quilombolas do Município de Barreirinha, Amélia dos Santos, que no início dos trabalhos, tudo foi muito difícil. As portas estavam fechadas, os cadeados trancados e ela não tinha as chaves para abri-los. Porém, foi “através dos órgãos que me abraçaram”, que os cadeados que estavam trancados sobre a sua gente, sobre as pessoas e sobre as comunidades, foram rompidos, e, hoje há uma organização social de acordo com os interesses de todos eles.

Interessante livro. Aqui, mais um artigo para os nossos leitores. Esperamos que gostem do tema abordado. É a união de palavras que constituem uma obra tão profunda como essa sobre o tema que continua no nosso presente. As palavras têm força. Guimarães Rosa, já dizia: “A palavra deve vestir-se como uma deusa, e erguer-se como um pássaro. Em cada palavra existe um pouco de sangue do homem e de sua essência. O sangue é a seiva, fruto e flores são as palavras, filhas do deus escondido(1).

Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.

Fonte: Ranciaro, Maria Magela Mafra de Andrade. Quilombos do Andirá: das travas à abertura dos cadeados. – Manaus: Editora Valer, 2021.

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