Nelson Gonçalves: o mito (última parte)

O Facetas fez levantamento da vida do menino Antônio Sobral nos anos 20. Agora, nos anos 50, segue com o sucesso do notável cantor Nelson Gonçalves. Por exemplo, em 1956, quando lançou A Volta do Boêmio, de Adelino Moreira, atingiu no cômputo geral a cifra estupenda de 2 milhões de cópias vendidas. Era a embriaguez do sucesso, a consagração do Rei do Rádio.

Nelson, no entanto, ia vivendo a vida. Em 6 meses, recebera a bagatela de 733 mil cruzeiros (moeda da época) de direitos fonográficos. Nessas alturas já tinha 5 filhos: 2 biológicos e 3 adotados. Ele mesmo dizia: “é mais fácil sustentar dez filhos que um só vídeo”. Parece até que o astro estava adivinhando. “Do êxtase à queda foi um tombo fácil. No ano anterior ao sucesso de A Volta do Boêmio, sua interpretação da música Meu Vício de Você já era um prenúncio sombrio do que as drogas, o ciúme, a euforia e os anos negros viriam operar em Nelson” (1).

“Uma cheiradinha. Uminha só”. Foi capaz de levá-lo à loucura. “Entre a euforia e a solidão dos drogados, o Rei do Rádio viveu sua tragédia particular. De 1958 a 1966. Aos 39 anos, cheirava cocaína todo dia e da boa. Fiz coisa que até o diabo duvida, confessou amargurado ao seu público, anos depois, já curado das drogas”. Em 59, separa-se de Lourdinha Bittencourt, quem, supostamente teria entregue o marido para a polícia. O melodrama Fica Comigo Esta Noite, de 1961, de Nelson e Adelino, encontra-se uma das maiores controvérsias dessa biografia. Lourdinha teria sido “a responsável por ter apontado o marido à imprensa como toxicômano”.

Porém, nem tudo foi-lhe decepção e dor. Conta-se – embora nunca fora provado -, que, em 1961, quando o cantor apresentava-se no placo do Rádio City Hall, em Nova York, “após o espetáculo, o mito Frank Sinatra teria vindo cumprimentá-lo assim: “my dear Nelson Gonçalves, I’m the voice, but you have one of the greatest voices I’ve ever heard!” O que os dois conversaram não se sabe até hoje.

“O sucesso de suas mais de 400 gravações permanecia ainda imbatível nesses primeiro anos de cocaína. Mas a situação estava ficando insustentável. Em menos de 5 anos, Nelson pulverizou sua carreira vertiginosa de cantor. Literalmente, de 58 a 66, sua carreira virou pó”. Era ele, no entanto, “uma dolorosa caractura de si mesmo”. O artista “não tinha mais secreção nasal, mas a voz não se alterara, graças a Deus”, assegura Ruy Castro.

Mas Nelson, jurou para si mesmo que sairia daquele labirinto de trevas, ou seja, “naquele instante amargo de ostracismo, ele era um ídolo tombado. É preso e vai à lona. Fica atolado nesse pântano 8 anos. Em 1963, ninguém mais ouvia falar no Rei do Rádio. Em 64, o Brasil, assim como Nelson, tinha virado molambo”. Lições que devem ser contadas, recontadas, mas não mais vivenciadas.

Em 65, rompe com Adelino Moreira; se casa com a sua secretária, D. Maria Luiza, aquela que será a mulher para o resto de sua vida por mais de 30 anos. “Juntos, iniciam um lento e cruel trabalho de recuperação. Era a derrota final, a decadência. O mito era dependente, tinha que se curar. Livrar-se dos traficantes do Rio. Mudam-se para SP, após o cantor ser preso em flagrante em casa, diante dos filhos, no dia das mães, 5 de maio de 1966, e pedem socorro ao médico da Casa de Saúde Liberdade de SP, para livrá-lo da cocaína num tratamento decrescente” (1). O interno insistia em deixar a clínica: “quero buscar o pó!” Nada disso. Maria Luiza não o tirava de lá, ou seja, da Casa de Saúde.

Passada essa escuridão, a esposa Luiza, relembra, emocionada, aquele drama: foram “meses de um sofrimento insano”. Venceram. Chegou-se ao fim da travessia do inferno e seus horrores, e dar a volta por cima, de volta para cima. “Mas essa volta não foi assim tão gloriosa”. Nelson precisava, também, a partir de 1968, “empreender um penoso trabalho de reconstrução profissional, financeira e moral”. Mas, as portas estavam fechadas por um lado. Por exemplo, o cantor Francisco Petrônio, apresentador do Canal 9, chegou a dizer à esposa de Nelson: “A TV Excelsior é uma emissora familiar. Não permitimos viciados no meu programa”. Por outro, diz Nelson: “O notável Sílvio Santos foi o único amigo do peito naquela hora crepuscular”.

EM 71, a RCA lança o LP Cada Um Na Sua. O sucesso foi relativo. O Brasil vivia momentos difíceis. E Nelson preocupado. Muda então, seu estilo e vai cantar Bossa Nova. Um equívoco. Busca nova parceria com Adelino, e “acerta na mosca”. Quando lança o LP Boêmio 72 – Sempre Boêmio. Volta ao seu repertório dos rendez-vous de abat-Jours Lilás.

Em 73, no programa da TV Globo: Só o Amor Constrói, exibe uma face marcada pelas rugas da experiência, e agradece a Deus e ao povo, que o resgataram daquele desastre para o novo triunfo: “passei de réu a exemplo!”, isto é, de viciado a curado. É bíblico: a vida se renova a cada manhã. Nelson estava revivendo; voltando a viver e encantando a todos, com o seu canto de amor.

Em 75, é sucesso na Bélgica com o samba-canção Naquela Mesa, de Sérgio Bittencourt. “Teve discos lançados na Itália, Inglaterra, Portugal, Alemanha, América Latina, na China… Até 79, aos 42 anos de carreira, já havia vendido 35 milhões de discos. Recebeu 10 discos de platina e 20 de ouro”. Aos 62 anos, em 82, lança Conclusão; Em 84, chama jovens artistas para gravar com ele.

Tem mais LPs: Eu e Elas (84), Eu e Eles (85), Eu e Elas vol. 2 (86) e Nós (87), com a participação de Caetano, Alcione, Fagner, Bethânia, Milton Nascimento, Chico, Lobão, entre outros. Ainda em 87 lança A Deusa do Amor, e são estas as palavras dele: “corri o Brasil inteiro, cada cidade. De avião, de trem, de carro, de burro, de jerico. Merecia maior atenção na fixação do meu nome na história da MPB”, desabafa. Em 89, lança uma caixa de 5 discos, 50 anos de Boêmia e estreia o antológico espetáculo Nelson Gonçalves 50 anos de Boemia Ao Vivo, no Olímpia, em SP.

“Hoje em dia (1995) o boêmio dorme cedo e acorda tarde. Mas, aos 76 anos de idade e 55 de carreira (…) é invulnerável a tudo: críticas, mau tempo, pouco caso, ao que possam dizer ou pensar. Tem o corpo fechado!… ” Nelson faleceu na Cidade Maravilhosa no dia 18 de abril de 1998, aos 79 anos. Nos deixou fisicamente, mas a sua arte há de se perpetuar entre seus fãs e admiradores.

Há alguns anos, por meio do dono do Museu do Disco, Waldir Braga, aqui em Manaus, conheci o versátil locutor Paulo Chibata, segundo ele, em meados dos anos 80, quando Nelson fez um show histórico no Teatro Amazonas, Chibata gravou as 13 músicas e as 6 do pout-pourri, em fita k7. Com as novas técnicas, a remasterizou e fez um CD. Fui presenteado com este exemplar. Foto ao lado. É simplesmente fantástico!

Só lembrando aos nossos dignos leitores, que em 429 artigos, é a primeira vez que o Facetas dedica três edições a um mesmo autor. Por mérito! Nelson Gonçalves jamais terá sua obra ignorada. Ela será ad perpetuam. Portanto, esperamos que aprovem essa nossa iniciativa.

Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.

Fonte: 1. Encarte – Livreto da caixa com 3 CDs: “Nelson Gonçalves: o Rei do Rádio”, texto da pesquisa biográfica de Stella Miranda, SP: – Gravadora RCA, 1995.

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