Clara, para sempre, Nunes

      “O mar serenou quando ela pisou na areia”.

Parafraseando Drummond que disse “Leila, para sempre, Diniz”, só inovamos para outra grande brasileira. Daí, o título acima. Alias, no dia 2 de abril de 2024, serão lembrados os 41 anos do falecimento da cantora mineira Clara Nunes (1942-1983). Porém, a sua voz continua vivíssima e nos enchendo de saudade. As suas interpretações hão de perdurar por muito tempo entre seus fás e admiradores. Cada música sua quando executada – principalmente nas rádios -, é como se o disco tivesse sido lançado no mês passado.

Consta na contracapa do LP “Claridade”, de 1975, composto de 12 músicas, como: O Mar Serenou (Candeia), Juízo Final (Nelson Cavaquinho/ Élcio Soares), Valsa de Realejo (Guinga/Paulo Cesar Pinheiro), Que Seja Bem Feliz (Cartola), etc., como as 4 fotos de Sérgio Matulevicius (uma delas exibida ao lado. Neste artigo) e o oportuno comentário do saudoso escritor e professor carioca Artur da Távola (1936-2008), publicado, à época, na revista amiga, assim:

“Clara, Clareira, Claridade. Manhã Luz, Clareza. Clara.

Não sei direito qual a razão pela qual você me emociona como artista. Acho que você passa um sentimento que, eu sei, é o sentimento do nosso povo, com suas dificuldades, suas esperanças, seus exageros, suas realizações, sua desorganização criadora, seus sonhos, mas sua infinita capacidade de transformar em sentir o que outros transformam em pensar ou em agir.

Por volta de 1968/1969 não havia ninguém cantando samba, nem acreditando nele. As serestas morriam. O choro agonizava. O samba de escola só no carnaval. As bossas (passageiras) eram outras. Samba não faturava. Samba não colava. Samba era quase proibido. Você o preferiu. Foi mais longe. Seu canto trouxe também o terreiro, o sincretismo religioso, as raízes africanas de nossa cultura, as que mais a marcaram. Música passou até a ser chamada de trabalho. “Porque meu trabalho…” dizem os caras, e tome teorização para explicar com conceitos eruditos o que a inspiração musical nem sempre dizia. Clara-claridade, sozinha. Mineira. Ex-tecelã. Ex-moça sonhadora como a imensa maioria das moças brasileiras das cidades e do interior.

Sozinha, modesta, sorriso fácil, ar de quem pede desculpas por estar ali cantando. Nada das entrevistas bombásticas para efeitos publicitários. Nada de ondas, jogadas, mutretas. Capacidade de estar na selva sem entrar na selva. Sem ser selva para para sobreviver. Clara mineira, sozinha, voz de claridão, olho de ilusão. Clara no samba. Clara no canto. Clara bobinha. Clara ingênua. Clara pedindo desculpas por estar ali cantando. Mas Clara definida, devolvendo ao povo a sua inspiração.

De repente o canto de Clara e a claridão do seu canto foram chegando. Aí tudo mudou. Clara-sucesso. Clara recordista, Clara-modelo. E foi um corre-corre, clara recordista no Canecão. Clara-samba vitoriosa!

Agora é a Clara-Estrela. Estrela também é luz. Estrela também é clara. Clara-Estrela como será? Partirá para uma sofisticação natural em qualquer estrela?

Tentará deixar de interpretar as raízes do sentimento de seu povo para ganhar elogios em colunas intelectuais? Abandonará o canto simples de seu povo? Começará a inventar bossas vocais para querer ser a melhor cantora do Brasil?

Ou Clara-Estrela continuará, clara, mineira, pedindo desculpas por estar ali cantando lindo pra gente? Ou Clara-Estrela aprofundará as relações com a temática que escolheu como caminho, quando tudo indicava uma acomodação a bossas passageiras? Ou Clara-Estrela será capaz de continuar entendendo e sentido as razões fundas de seu repertório, das escolhas das músicas, do amor pelo compositor realmente popular?

Não sei, nem quero saber. Mas saiba Clara, que você representou, até hoje, na linha escolhida, uma posição muito importante para sensibilidade de sua gente, da qual seu canto é uma expressão de suas origens. Nela está sua força. Use-a” (1).

Clara morreu oito anos após a publicação dessas frases memoráveis de Távola. Assim como os seus questionamentos. Mas, até o fim de sua carreira/vida, ela foi uma pessoa/cantora autêntica, original, talentosa. Ouçamos Clara. Os nossos corações ficam serenados de ternura e amor com seu canto. Que nos encanta, contagia. Esperamos a aprovação do (a) nosso (a) leitor (a), por mais um artigo. O primeiro de 2024.

Notinha útil – Sem comparações. Mas a nossa dra. Winnie Barros, tem “sorriso fácil, ar de quem pede desculpas” sempre. Isso, no entanto, não significa – como não significava em Clara -, ar de omissão/submissão… É lindo demais ver o sorriso dessas duas verdadeiras brasileiras. O nossa doutora ri à toa. E, agora, tem mais razões para tal, com a chegada do seu primogênito Heitor. Que seja assim, de bem com a vida.

2024: por Angeline e Francisco Gomes

Fonte: 1. LP “Claridade”, de Clara Nunes, SP: Odeon, 1975.

Deixe um comentário