Para sempre Clementina de Jesus

Em tempos de “Consciência Negra” – estamos nos referindo sobre a data de 20 de novembro -, a nossa homenagem vai para aquela que, carinhosamente era apelidada de Tina ou Quelé e notável figura do mundo do samba nacional. A saber.

Clementina de Jesus da Silva foi uma cantora e compositora de samba. “Possuía um timbre de voz inconfundível, contralto e rouco. Conheceu o sucesso como artista profissional aos 62 anos de idade e recebeu condecorações de importantes nomes da música brasileira”.

Nasceu em Valença (RJ) no dia 7 de fevereiro de 1901. De lá “mudou-se com a família para a capital aos 8 anos, para o bairro de Oswaldo Cruz, onde pode acompanhar o desenvolvimento da Portela, participando das rodas de samba”. Faleceu na cidade Inhaúma (RJ), vítima de AVC, no dia 19 de julho de 1987, aos 86 anos.

“Casou-se aos 39 anos e indo morar no morro da Mangueira. Ali, por mais de 20 anos, trabalhou como empregada doméstica. porém, seu talento musical foi descoberto em 1963 pelo compositor Hermínio Bello de Carvalho que a incluiu no show “Rosa de Ouro” apresentado em diversas capitais brasileiras. O espetáculo foi um sucesso e resultou na gravação de um disco pela Odeon, trazendo diversos ritmos como o jongo, por exemplo” (1).

“Frequentava a Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, as festas das Igrejas da Penha e São Jorge, cantando canções de romaria. Ficou conhecida como a Rainha do Partido Alto e recebeu homenagem de Elton Medeiros com o partido “Clementina, Cadê Você?” e pela cantora Clara Nunes com “P.C.P Partido Clementino de Jesus”, uma composição de Candeia em 1977″ (1).

Além de jongos, cantava corimás, cantos de trabalho e canções de memórias que aprendeu quando ainda era criança, com a sua família, resgatando a conexão afro-brasileira. Assim, mesclou o folclore dos terreiros de candomblé com a linguagem contemporânea. “Um marco importante para a música brasileira”. Inegavelmente a sua voz evocava uma África ancestral com todo o respeito e nobreza dos cânticos que aprendeu com sua mãe, filha de escravos.

Clementina “representou o elo de ligação entre a moderna cultura negra brasileira e a África Mãe. Sua aparição nos palcos fascinou os artistas da MPB que buscaram registrar sua voz em seus discos. Participou em gravações com Alceu Valença, Milton Nascimento, João Bosco e outros. A Rainha Ginga, como era chamada, foi contemplada num espetáculo de 1983 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com a presença de Paulinho da Viola, João Nogueira, Elizeth Cardoso, Orquestra Sinfônica Brasileira, Ala das Rainhas de diversas escolas de Samba, Gilberto Gil, Dona Zica, Dona Neuma, mestres-salas e porta-bandeiras, acompanhados pela bateria da Mangueira” (1).

“Em 1984, a cantora recebeu do ministro da cultura Jack Lang, a “Comenda da Ordem das Artes e Letras”, um prêmio do governo da França, com a presença do escritor Jorge Amado e dos cantores Caetano Veloso e Nilton Nascimento. Clementina gravou mais de 120 canções, sendo disco “Marinheiro Só” sua gravação de maior sucesso” (1).

No disco “Clementina e Convidados” de 1979, há várias participações especiais, tais como: Cristina Buarque em Tantas Você Fez; Clara Nunes em Embala Eu; Roberto Ribeiro em Cocorocó; João Bosco em Boca de Sapo; Martinho da Vila em Assim Não Zambi; Dona Ivone Lara em Sonho Meu; e Adoniran Barbosa e Carlinho Vergueiro em Torresmo à Milanesa.

Nesse mesmo disco, o jornalista e produtor musical sergipano Fernando Faro (1927-2016), demonstra seu respeito e reconhece o talento artístico de Clementina, com este texto, de maio de 1979: “Tantos anos. Tantos. Nesse tempo todo a pele exposta ao sol, à água, ao vento. Não podia ser diferente. Agora está ali aquela mão. Velha. Como uma folha ressecada. // Sem brilho, sem qualquer sinal de umidade. Tão frágil e quebradiça que se teme tocar. Que até o movimento mais cauteloso preocupa e aflige – ela pode partir em 78 pedaços e virar pó. // É essa mão que desce trêmula até a bolsa e de lá retira um pedaço de papel higiênico. // – Essa vista hoje tá uma porcaria – resmunga ela enxugando aquela água que lhe sai do olho. // – Isso que você está falando não está escrito aqui, não – diz ela.// Está, Clementina. É que você começa a ler um verso e na metade pula pro outro. olhe!// – Não olho nada. Não quero olhar. // – Está bem , vamos deixar isso para amanhã. (Vamos fazer samba do Paulo da Portela?)// – Ah, Clementina, não me diga…// – Digo, sim senhor. Não sei que samba é esse não!// Ora Clementina, o Cocoricó, eu lhe dei a fita; você levou pra casa…// – É vó, você levou. Tá lá na mesinha – diz Bira, o neto e acompanhante. // Não se mete, menino. Quem o chamou aqui? Vagabundo!// Vá embora, vá! Não quero mais ver você, não! Nem que me leve pra casa, ouviu? Não preciso.// Ela nervosa, brava. Mexe a boca como se mastigasse alguma coisa…// – Você tem que aprender as músicas, Clementina. É o mínimo que você tem que fazer. Bom, vamos tentar gravar o samba do Candeia?// – Vamos.// Ela mexe na estante à procura da letra. Os papéis estão todos amassados, porque os movimentos são inseguros e nervosos.// – Gravar, gravar! Só se fala em gravar, em dinheiro ninguém fala!// A fita começa a rodar.// Agora ela canta. // A mão sobe e desce firme, no balanço da música. // Aos poucos, um cheiro de mato começa a sair de todas as coisas – cadeiras, instrumentos  – o sol penetra pelos cantos do estúdio, e também a lua e a noite, e tudo parece se mudar em terreiros, quintais e quadras. // Como nas assombrações.// Agora vemos só árvores verdes e uma terra molhada e fértil. // É uma história muito bonita, como não se ouvia mais, é recontada. E revivida. // Ela não é mais ela. Clementina, de 78 anos.// É um feitiço.

Texto simplesmente fascinante. Esse feitiço de Clementina está em cada um de nós. Que nos encanta. Pela sua contribuição na nossa música, na nossa cultura. Como artista, como mulher, como mãe, como gente. Como negra. A foto da capa de seu disco “Clementina e Convidados” que exibimos neste artigo, tem a marca do seu pé; da cor do ouro. O pé da vida. Dos caminhos que nos conduzem ao horizonte, logo ali em frente. O ouro de nobreza. Que resiste a tudo como metal precioso. Para tanto, escrevemos Para sempre Clementina de Jesus. Por favor, ouçam a voz inconfundível dessa artista maravilhosa, leitores!

Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.

Fontes consultadas: 1.Personalidades AFRO que mudaram o mundo! SP: Discovery publicações, 2018; CD “Clementina e Convidados”, SP: gravadora EMI, 1979.

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