A magia dos Tincoãs

Atualmente, os jovens estão revivendo músicas brasileiras anteriores à sua geração nas redes sociais por meios das trends. Entre as músicas escolhidas por eles para serem relembradas, está “Chorojô” do trio Os Tincoãs. A canção foi utilizada principalmente em vídeos de seguidores de religiões de matriz africana por citar a grande mãe Oxum:

Mamãe Oxum chorou
Implorou água, chorou
Água, mamãe
Chorou

Iê iê ô
Mamãe Oxum chorou

Os Tincoãs podem ser considerados um patrimônio da história musical do Brasil. O nome provém de uma ave do cerrado e foi formado em meados de 1950 por Erivaldo, Eraldo e Dadinho, jovens nascidos no município de Cachoeira, na Bahia. Começaram por boleros, com o disco Meu Último Bolero. Em 1963, Erivaldo desligou-se do grupo e Mateus Aleluia Lima entra em seu lugar, acontecendo uma grande mudança no repertório do trio: introduziu a cultura do Candomblé e seus terreiros, rituais religiosos afro-brasileiros e sambas de roda, entrando o atabaque, agogô e violão. Em 1973, lançaram o LP Os Tincoãs com as faixas Deixa a Gira Girar, Yansã Mãe Virgem, Embola Embola, entre outras.

Mais uma reviravolta: a morte prematura de Heraldo, em 1975. Foi a vez de Morais ingressar, participou do terceiro LP, O Africanto dos Tincoãs, mas foi logo substituído por Badú. Em 1977, lançam Os Tincoãs, onde estão as belíssimas músicas Cordeiro de Nanã e Lamento Às Águas

Dadinho, Mateus e Badú

Em 1983, o trio viaja para Angola, onde atuaram em projetos culturais e educativos. No ano seguinte, Badú desliga-se do grupo. Mateus e Dadinho continuam compondo e cantando em dupla. Em 2000, Dadinho falece e as atividades dos Tincõas permanecem paradas até 2023, quando foi lançado o álbum inédito Canto Coral Afrobrasileiro, gravado em 1983, com quatro músicas inéditas e participação do Coral dos Correios e Telégrafos do Rio de Janeiro em seis das dez músicas. Dadinho é responsável pelo violão, os atabaques são de Mateus e Badu toca agogô e ganzá e todas as músicas do álbum foram compostas e adaptadas pela dupla Mateus e Dadinho.

Mateus ainda continua ativo, com sua criatividade e talento inigualáveis, contando a história do trio com carinho, mantendo a história dos Tincoãs viva.

Antes de fazer esse artigo, perguntei de algumas pessoas se tinham conhecimento do trio. A grande maioria não conhecia. Eu mesma só conheci devido ao TikTok. O objetivo desse pequeno texto é homenagear esses grandes homens e agradecer por terem oferecido tantas canções magníficas. Os Tincoãs são um marco, fundamentais para a preservação da ancestralidade afro-brasileira e deveriam ser lembrados e conhecidos por todos. Deram espaço para os Orixás, para mães e pais de santos, para as giras, para uma parte da cultura brasileira que muitos preferem não conhecer e/ou tratar com intolerância.

Dia 02 desse mês foi comemorado o dia de Iemanjá. Então, nada mais justo que adicionar a letra da música Lamento Ás Águas, que, inclusive, é a minha favorita. A letra aqui divulgada foi tirada do disco Cinco Sentidos, de Mateus Aleuia, uma vez que a original, do LP de 1977, está inteiramente em iorubá.

Eh! Gni NBo NBoia
Kaniré Oyá Ba
Na beira do mar
Chamarei por Iemanjá
Olhai mãe santa
Meu canto de dor
Feito em seu louvor
Iemanjá

Iemanjá Eru Boa-ó
Iemanjá Eru
Minha dor

Na beira do mar
Chamarei por Iemanjá
Eh! Gni NBo NBoia
Kaniré Iemanjá

Odé, oxossi
Ogum, ajanshu
Iemanjá Eru Boa-ó
Iemanjá Eru Boa-ó

Eh! Gni NBo NBoia
Kaniré Oyá Ba
Na beira do mar
Chamarei por Iemanjá

Se tiverem oportunidade, escutem o repertório dos Tincõas e preparem-se para conhecer a mais pura magia da ancestralidade.

Por Angeline Gomes

Fontes:

Roberto, L. Duplas e trios vocais da bahia – Os Tincoãs. Disponível em: https://tempomusica.blogspot.com/2012/08/os-tincoas.html?m=1.

Vieira, K. A Bahia e o africanto de Os Tincoãs. Disponível em: http://www.afreaka.com.br/notas/bahia-e-o-africanto-de-os-tincoas/.

A ancestralidade africana de Mateus Aleluia, disponível em: https://www.camara.leg.br/tv/528688-a-ancestralidade-africana-de-mateus-aleluia/.

Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Os Tincoãs. Disponível em: https://dicionariompb.com.br/grupo/os-tincoas/

Instituto Búzios. Os Tincoãns: Celebração de Culturas Afro-Brasileiras. Disponível em: https://www.institutobuzios.org.br/os-tincoans-celebracao-de-culturas-afro-brasileiras/

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