Em 1985, vários acontecimentos marcaram o Brasil: fim do regime militar, depois de 21 anos; posse de Sarney na Presidência da República; sucesso televisivo de Roque Santeiro, de Dias Gomes; a primeira edição do Rock in Rio; realização do projeto “Nordeste Já”, entre outros ocorridos.
Naquele ano, após um longo período de seca, o Nordeste passa a sofrer com as enchentes. Aí surgiu o projeto “Nordeste Já”, ou seja, uma criação do sindicato dos músicos da cidade do Rio de Janeiro, em que consistia na gravação de um disco coletivo, cuja arrecadação seria destinada às vítimas daquela região. A ideia, portanto, tornou-se realidade e foi gravado um compacto simples dos dias de 8 a 16 de maio de 85, no Multi-Estúdio, situado na Barra da Tijuca.
A produção fonográfica foi feita pela COMUSA (Cooperativa Mista dos Músicos Profissionais do RJ), ligada ao Sindicato da categoria, que era presidido por Aquiles Reis, do MPB-4. “Assim 155 estrelas da música brasileira compareceram para a gravação do compacto Chega de Mágoa (de Gilberto Gil, com letra de Caetano Veloso e Fagner) e Seca d’Água (Gil sobre poema do poeta popular cearense Patativa do Assaré)” (1).

Participaram também “Alceu Valença, Tom Jobim, Roberto Carlos, Maria Bethânia, Gal Costa, Rita Lee, Nara Leão, Elza Soares, Fafá de Belém, Elba Ramalho, Djavan, Sérgio Ricardo, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Erasmo Carlos, as veteranas Elizeth Cardoso, Marlene e Emilinha Borba, Paula Toller, do Kid Abelha, e até o Roger, do Ultraje a Rigor. Milton Nascimento e Fernando Brant criaram uma introdução para a primeira parte, gravada em Belo Horizonte, com a voz de Milton e o piano de Wagner Tiso. A regência de Dori Caymmi” (1).
O acabamento do projeto, digamos assim, foi passivo de críticas por alguns analistas, que viam no “clipe Chega de Mágoa um decalque sem disfarces do badalado We are the world, projeto concebido em bases semelhantes, com a participação de de diversos astros internacionais…” cuja “a venda dos disco era destinada ao combate da fome na Etiópia” (1).O álbum, gravado nos EUA, fez sucesso no mundo inteiro com vendagem de milhões de cópias.
Segundo o escritor Julio Moura, outra constatação da “cópia malfeita” do projeto brasileiro em relação ao norte-americano pode ser vista no “clipe exibido pelo Fantástico que mostrava (e mostra, pois o vídeo está disponível na internet) um Alceu desenturmado em meio à constelação. Algo como Bob Dylan em We are the world. Como era possível jovens roqueiros cariocas e paulistas terem solos na música enquanto Alceu, Geraldo e Zé Ramalho – grandes representantes do cancioneiro regional – cabia apenas o coro?… Mas a música tocou bastante e todas as 500 mil cópias do disquinho foram vendidas nas agências da CEF em todo o país. Parte da arrecadação foi destinada aos trabalhadores rurais de baixa renda, de acordo com cláusula definida no contrato entre o sindicato dos músicos e o banco” (1).
Independentemente das controvérsias sobre isso ou aquilo, o mais importante é que a campanha atingiu a sua meta e as duas canções foram executadas com mais de 150 participações artísticas, algo nunca visto antes no Brasil. Exemplificando, Chega de Mágoa, traz estes marcantes versos: “Nós não vamos nos dispersar/Juntos é tão bom saber/Que passado o tormento/Será nosso esse chão…” Por sua vez, Seca d’Água “na visão climática de Patativa do Assaré”, como escreveu para o Diário de Pernambuco (14.05.24), o jornalista Xico Sá, o cordelista manifesta uma sensibilidade poética ímpar, porque o poeta viveu a vida fazendo versos sobre secas de “rachar o chão”, dessa vez (1985), com a abundância da água por toda parte, compõe com brilhantismo Seca d’Água, com estas palavras: “É triste para o Nordeste/O que a natureza fez/Mandou cinco anos de seca/E uma chuva a cada mês/E agora em oitenta e cinco/Mandou tudo de uma vez”.
Abordamos este tema para ser retirada da música, assim como das outras artes, lição de vida dos fenômenos naturais e/ou da ação humana sobre o meio ambiente em qualquer lugar do planeta, aquilo que possa pôr em perigo toda forma de vida. De 85 para cá vimos (ou ficamos sabendo) queimadas terríveis na Amazônia, no Pantanal, na Zona da Mata, etc; secas/enchentes extremas no Estado do Amazonas; enchente histórica no Rio Grande do Sul, entre outros fatos. Porém, “nós” e “juntos” como consta na letra da música citada, podemos fazer muito em prol da humanidade, da vida. Só resta agir!
Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.
Fonte consultada: Mauro, Julio. Pelas ruas onde andei: uma biografia de Alceu Valença. – 1. ed. – Recife, PE: Cepe, 2023.