Raimundo Sodré: a soma de tantas subtrações

     No dia 23 de julho de 2017, ele estará completando 70 anos de vida. Estou falando do talentoso cantor e compositor baiano Raimundo Sodré. Nascido no Município de Ipirá (BA), no dia 23.07.47. Considerado um dos mais influentes artistas da década de 80.
     Ainda adolescente, ficou deslumbrado com o jeito irreverente de Juca Chaves tocar. Por isso, começou a treinar com um violão emprestado por um vizinho. As suas primeiras criações musicais são da sua cidade natal. Sua vontade de ser cantor se completou quando ouviu o samba-canção Tudo de Mim , de Altemar Dutra, cuja voz era admirada por Sodré.
     Após terminar os estudos básicos, foi para o tradicional Colégio Central da Bahia, lugar da intelectualidade estudantil baiana do complicado Brasil dos anos 60.
     Concluído o segundo grau (hoje, ensino médio), quis fazer o gosto do pai, Anacleto Pereira Sodré, ao ser aprovado no exame vestibular para Medicina. Mas, algum tempo depois, abandonou o curso, por falta de recursos financeiros para custear os estudos.
     Em 1972, aos 25 anos, já casado, muda-se para São Paulo, onde foi trabalhar como analista de crédito numa financeira. Lá, conheceu o radialista Antonio Celso, da Rádio Excélsior, por quem foi convidado para fazer um teste, uma vez que gostava de cantar. O principiante cantor apresentou músicas de Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Jackson do Pandeiro, etc.
     Noutra oportunidade, foi apresentado ao produtor musical Paulo Leivas, que o levou para a gravadora Continental, onde gravaria um compacto simples (era um disco de vinil, com duas músicas, de formato um pouco maior que um CD atual). Mas esse produtor deixou a gravadora antes do projeto ser concluído. Foi nessa época que conheceu o cantor Belchior e outros artistas.
     Em 1974, volta para a Bahia e foi morar com o pai em Santo Amaro da Purificação, onde conheceu os músicos Roberto Mendes e Jorge Portugal (futuros amigos e parceiros artísticos). Aí, ingressa no “Sangue e Raça”, um grupo que mesclava música e teatro. Nos três anos seguintes, conheceu outros músicos, e aos poucos, o grupo segue conquistando seu espaço. Inclusive, fez apresentações em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.
     No Rio, Sodré deixa o grupo e passa fazer alguns shows, mas em carreira solo. A princípio, no Teatro da Maison de France. Depois,  uma série de apresentações na Aliança Francesa (Copacabana, Tijuca e Botafogo). Assim, ficou por quase um ano. No final de 1978, foi convidado por Miguel Chaves, assistente de produção de Roberto Menescal, para fazer um teste. Deixando gravadas na PolyGram, algumas músicas, entre elas, A Massa.
     Em meados de 1979, A Massa foi escolhida pela gravadora para participar do Festival MPB 80, da Rede Globo de Televisão. Por tal razão, em setembro daquele ano, assina contrato com a PolyGram para a produção de três discos, e simultaneamente, já entra em estúdio para preparar o repertório do primeiro LP.
     Em abril de 1980, A Massa, é classificada na primeira eliminatória do Festival, e o sucesso é imediato, contagiante, até. O artista fica conhecido nacionalmente. Nesse clima, a gravadora lança o LP homônimo, cuja vendagem foi um estouro. No mês seguinte, a convite de Djalma Correa, segue para os EUA para realizar dois shows. De volta ao Brasil, segue para a Região Norte, onde vai divulgar o disco, fazendo apresentações, em Belém, Manaus, Santarém, Parintins, Porto Velho, entre outras cidades.
     Em agosto, chega a final do MPB 80 que ocorreria no palco do Maracanãzinho. A Massa conquista o terceiro lugar. Mas torna-se a canção mais popular do Festival, sendo executada em todo território nacional.
     Em1981, lança seu segundo LP, Coisa de Nego; em 1983, o terceiro, Beijo Moreno. Esse trabalho é considerado pelo próprio cantor como o seu melhor disco; melhor elaborado, realizado. Nesse ano, o artista retoma às suas atividade com o show “Contações”. No início de 1984, lança o compacto simples “Pica-Pau Brasil”, encerrando assim, seu contrato com a PolyGram.
     No entanto, continua fazendo música e vivendo dela. Em 1990, foi fazer apresentações em Paris. Sua arte foi tão  bem recebida  que resolveu ficar morando lá. Por exemplo, foi na Europa que lançou em 1994, o seu quarto LP, “Real”, cuja produção é exclusiva de uma gravadora alemã. Esse disco só foi editado no Brasil em 1996, pela RGE. Em 1995 segue para shows na Alemanha, Suíça, Dinamarca, Grécia, Marrocos e Índia.
     Em 1999, veio ao Brasil participar do CD “Pescador de Canções”, quando então, fez um show memorável no Teatro Castro Alves, Salvador, com o paraibano Zé Ramalho. Foi nessa época que decidiu voltar a morar no seu país, o que ocorreu no ano seguinte. Nesse ano, 2000, inclusive, participa de vários projetos de músicas. Um deles, foi o lançamento do CD-demo com o baião Cadim, para o período junino daquele ano.
     O CD “Dengo”, seu quinto trabalho, é lançado em 2003, o qual marca uma nova etapa de sua carreira. Mostrando ao seu público que está em ótima forma artística. Esse disco “significa o movimento de retomada da posição que nuca deixou de ser sua, a de um dos mais autênticos artistas populares de sua época”.
     Porém, nem tudo são louros no mercado fonográfico. Há quem garanta ser Raimundo Sodré um dos mais injustiçados artistas do Nordeste. Depois do estrondoso sucesso com A Massa, não emplacou mais nenhum. Apesar de novos trabalhos de consistência. O impacto do primeiro nunca mais foi o mesmo. “Com sua música recheada de nordestinidade, principalmente a derivada do Recôncavo, como chula e samba de roda, fez uma música de cunho popular, porém, recheado de uma lírica de primeira qualidade”.
     É sobre essa “qualidade musical de primeira grandeza” que direciono este comentário sobre a obra desse magnífico Sodré. Há alguns meses, li uma entrevista sua (acho que datada de 2015. Não guardei a fonte), na qual ele dizia sentir-se alegre e triste, ao mesmo tempo, com A Massa. Alegre pela dimensão que a canção tomou ao ser executada em todo país. Triste pela realidade (e atualidade) dos seus versos no contexto social brasileiro. Pois, quase 40 anos depois do seu lançamento, praticamente nada mudou, principalmente no Nordeste.
     Verdade absoluta. O ano era 1980. O Brasil ainda era governado pelo cambaleante regime militar, cuja censura ninguém mais a levava a sério. Artistas, escritores, jornalistas, atores, teatrólogos e demais segmentos sociais pedem o fim do nefasto regime, urgentemente. Um ano antes, Zé Ramalho, estoura com Admirável Gado Novo; Bubusca com Um Deus Vagabundo; Zé Geraldo com Cidadão, e por aí vai. Nessa inquietação, surge Sodré, com estes versos:
                  A dor da gente é dor de menino acanhado
                 Menino bezerro pisado no curral do mundo a penar
                Que salta aos olhos igual a um gemido calado
               A sombra do mal-assombrado é a dor de nem puder chorar.
      Simpesmente fantástico! Mas, quero mesmo é ilustrar aqui a beleza artística de Beijo Moreno, de 1983. O disco contém 10 canções, todas de autoria de Raimundo Sodré, Jorge Portugal, Roberto Mendes, João Luiz Magalhães, Cássio Tucunduva e Marcelo Machado. À época, algumas músicas chegaram a tocar nas rádios como Pelo Sim, Pelo Não; Debaixo do Céu e Beijo Moreno.
      Mas, Maio 68, não. Contudo, é exatamente a canção que traz à tona alguns dos principais fatos ocorridos em 1968, no Brasil e no mundo. Letra do poeta Antonio Jorge Portugal, o poema está dividido em duas estrofes e o refrão. É um espetáculo, em todos os seuntidos. Ouvindo, então, essa canção com guitarra de Rick, voz e violão de Sodré, você passa a ter certeza ser a mesma uma canção  antológica.
      A seguir a íntegra desse desconhecido hino da liberdade, pelo menos, pelo grande público brasileiro.
                              MAIO 68
       A última vez
       Em que vi esperança foi
       Na mesma esquina
       Em que eu me perdi
       Havia uma lacrimogênica ilusão
       Palavras de ordem
       Sob a calça lee.
       O estado de graça
       De tantas contradições
       Nas barbas de Marx ou Khrisnamurti
       No livro sagrado
       De todas as pichações,
       A voz de John Lennon
       Na canção de Vladimir
                     Maio meia oito
                     Meia vida meio torta
                     Meio natureza morta             (bis)
                     Pode ser…
                     Meia liberdade
                     (Nosso sonho) oue se volta
                     Mas não volta
                     No meia volta volver.
                                 Havia vestígios de hippies e Cohn Bendis
                                 Os punhos cerrados violando o ar
                                 Tropicaetanos, excesos, travassos, gizs
                                 Em cada cabeça um mundo a mudar
                                 Se somos a soma de tantas subtrações
                                 Outras gerações vão nos multiplicar
                                 O saldo é a semente plantada nos corações, ações
                                 De outras cabeças que possam sonhar.
 
        Sodré continua exercendo a sua arte nas noites de Salvador. Clamando por liberdade, por igualdade social; pela dignidade humana. Cabe, portanto, a cada um de nós fazer o mesmo. E com o que tem: seja por meio das artes, dos esportes, do trabalho, da educação, da dignidade das pessoas, da honestidade, do bom caratismo, da ética. Onde quer que cada um esteja: no Xingu, em Tóquio, em Angola, na Sicília, etc. Cada um de nós deve somar…, apesar de tantas subtrações.
Referências
1. Encarte do LP “Beijo Moreno”, de Raimundo Sodré, PolyGram, 1983.
2. wikipedia.org
3. melnotacho/wordpress.com/2009/10¹10
4.www.letras.com/biogradia/rauimundosodré

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