Dolores, para sempre, Duran

     Você sabe quem foi Adiléa da Silva Rocha? Foi a talentosa cantora e compositora Dolores Duran. Nascida a 7 de junho de 1930, no bairro da Saúde, Rio de Janeiro. Ainda criança já tomava parte das festas de Reis na paróquia local. Aos 5 anos mudou-se para Pilares e, durante a festa natalina, participou do concurso de calouros, onde ganhou o prêmio revelação.

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     Os problemas financeiros da família impediram-na de ir à escola. Mas, ela não se abatia, apesar da saúde frágil por problemas cardíacos e reumatismo infeccioso. Por ser muito inteligente, aprendia as coisas com muita facilidade. Seus dotes pela música já eram visíveis nesse início de vida e contava com o incentivo incondicional dos pais.
     Um amigo da família levou a criança ao Programa “Calouros em Desfile”, da Rádio Tupi, de Ary Barroso, onde cantou Vereda Tropical, em português e espanhol. Obteve a nota máxima e recebeu elogios do apresentador: bonita voz e excelente afinação. Algum tempo depois já estava no elenco do Programa “Escada de Jacó”, fazendo rádio, shows volantes em cinemas e circos. Eram os primeiros passos para a carreira profissional.
     Ainda adolescente, perdeu o pai. Então, passou a sustentar a mãe e os 3 irmãos. Dona Zefinha assumiu o papel de empresária da filha. Ia com ela onde tivesse uma apresentação. Aos 12 anos chegou ao elenco do teatro da “Tia Chiquinha”, da Tupi. Como tinha muita facilidade para idiomas (falava e escrevia bem português, espanhol, francês, inglês, italiano e ainda arriscava, alemão), passou a ouvir discos e, em pouco tempo aprende canto  com a ajuda da professora.
     O espanhol foi fundamental para sua inscrição no concurso “A Procura de Uma Cantora de Boleros”, da Rádio Nacional. Classificando-se em 4º lugar. Passou a frequenta a emissora, tornando-se conhecida dos artistas, que a chamavam para algum programa radiofônico. Num deles foi ouvida pelo badalado casal Paes de Andrade. Ganhou seu 1º contrato aos 17 anos, falsificou  o documento da certidão de nascimento e adotou o pseudônimo de Dolores Duran. Logo, em torno dela foi construída a imagem da mulher desesperada por amores impossíveis, dominada pelas melancolia e solidão. Porém, Dolores (“dores“, em espanhol) escondia do público o seu lado risonho e alegre que mostrava aos amigos e ao marido, o ator de rádio, Macedo Neto.
     “Desde os primeiros anos de vida, uma característica especial pôde ser observada em Dolores Duran (ou melhor, Adiléa): ela era um ser que se alimentava de música. A carreira e a vida artística foram apenas consequência das melodias e das notas que percorriam suas veias” (1).  
      Por isso foi considerada “Uma das mais perfeitas intérpretes brasileiras, capaz de cantar de jazz ao baião. Compositora, seria autora de canções antológicas. A inspiração vinha de supetão e era imperativo que escrevesse. Letras eram anotadas em qualquer lugar: no guardanapo manchado de batom, no maço de cigarros ou no guardanapo da casa noturna” (1).
     “A cantora Marisa “Gata Mansa”, uma das suas melhores amigas conta: “Eu cantava na boate Cangaceiro. Saí de lá e passei no Little Club. Dolores estava sentada, com o violão no colo e uma folha de papel à frente. Como sempre, escrevendo com o lápis de sobrancelha. Disse-me: “Peraí, peraí, que estou terminando um negócio aqui”. E nascia assim Fim de Caso. Já a Noite do Meu Bem, Dolores fez a letra, a original, na casa dela, eu a vi muitas vezes consertando a letra, até chegar ao que ela queria dizer” (1).
     Algumas vezes, as composições vinham do nado, outras, eram inspiradas por qualquer história contada por um amigo. Dizia Marisa: “Estávamos no avião que ia de São Paulo até o Rio. Na hora e meia que durava o percurso, eu contei a Dolores um caso que me incomodava muito no momento. Ela ria, fazia brincadeiras para me alegrar. De repente, começou a escrever e, quando chegamos, me entregou um papel: “Taí a tua música”. Era Não Me Culpes.
      Em 1955, aos 25 anos, ano em que conheceu e e se casou com o radioator Macedo Neto, foi hospitalizada por crise cardíaca, no Rio. Orientação médica: “Devia deixar a noite, o cigarro, a bebida”. “Nada disso”, resmungou a cantora. Ela amava tudo aquilo. E preferiu pagar para ver o resultado. “Apenas quatro anos depois, sua inquietação, fogo que a fazia beber mais, rir mais e chorar mais, se apagava”.
      “O  sol acabava de nascer quando ela entrou em casa. Cansada, irritada com o mal-estar que a acompanhava durante as últimas horas. Já na cama, talvez tivesse rememorado o trajeto: o show na boate Little Club, depois a festa no Clube da Aeronáutica e a esticada até o Kilt Club. Teria tentado dormir e relaxar. É dia 23 de outubro de 1959 e o coração de Dolores Duran parava de bater, vítima de uma lesão congênita. A cantora e compositora morria aos 29 anos, no auge da carreira” (1).
  
      Logo ela que sempre tirou os obstáculos do caminho, desde a infância pobre, da morte prematura do pai Armindo, simples sargento da Marinha, do curto casamento com Macedo. Ele não queria que a mulher cantasse na noite. Ela disse-lhe: “Não!” Para tentar salvar o casamento, adotaram a menina Maria Fernanda. Não surtiu efeito positivo. Assim, o conto de fadas chegou ao seu fim.
      Ontem, ou seja, lá no início de tudo, Adiléa, era promessa. Hoje, isto é, no topo da carreira, Dolores, era destaque, celebridade. Em 53, lançou os sambas Que Bom Será e Já Não Interessa. Nessa época já era sucesso nas principais boates do Rio e São Paulo. Onde frequentavam jornalistas, compositores, como Sérgio Porto, Fernando Lobo, Antônio Maria, Lúcio Rangel e Nelson de Holanda, que  influenciaram muito no ofício da cantora. 
      Em 54, lançou Canção da  Volta. Em 55, sua primeira composição: Se é Por Falta de Adeus, em parceria com Tom Jobim. Por achar seu sucesso relativo, em 56, lançou Filha de Chico Bruto (de Chico Anísio). Quando então, decide trocar a boate pelo circo, seguindo na caravana de Paulo Gracindo. “Gosto muito de trabalhar nos circos”, garante Dolores. Era um reencontro com as suas origens, suas raízes. Achava que a relação com o público era direta.
      No entanto, ainda não estava satisfeita com sua carreira. Foi, quando, em 57, se encontrou com o  Tom e juntos criaram uma das mais importantes músicas do seu repertório, Por Causa de Você. Precisava está atenta (e estava) às mudanças que ocorriam na ordem do dia: na música, na política, na economia do país. Em 58, lançou Por Causa de Você e passou a compor mais, gravar mais e assim, atingiu a melhor fase de sua carreira. Foi para o Uruguai, a URSS e países do Leste Europeu.
      De volta ao Brasil, retomava tudo outra vez: shows, noitadas, etc. Desponta João Gilberto com Chega de Saudade. Era a vez da bossa nova, que mudaria definitivamente os rumos da música nacional. Surgem novos cantores e compositores: Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Mara Leão, etc. Eles realizam o 1º  Festival Samba Session., em 22 de setembro de 1959. Dolores participa. Mas, 32 dias depois do evento, ela morreria vítima de parada cardíaca. 
      Apesar da curta carreira, teve excelentes parceiros  compositores já citados e intérpretes como Marisa, Tito Madi, Maysa, Ivon Curi, Dóris Monteiro, entre outros, na primeira fase. Na segunda: Frank Sinatra, Milton Nascimento, Nana Caymmi, Fátima Guedes, etc, por exemplo, em 1994, Nana lançou o CD A Noite do Meu Bem – As canções de Dolores Duran. “Ela sabia cantar o amor sem ser cafona, nem piegas”, conclui Nana. 
      Suas principais composições são: A Noite do Meu Bem, Fim de Caso, Castigo, Leva-me Contigo, Não Me Culpes, Solidão, etc. Em parceria, deixou: Estrada do Sol, Por Causa de Você, Ternura Antiga, Pela Rua,  Tome Continha de Você, etc.
      Segundo a cantora carioca Fátima Guedes (61 anos, completados no último dia 6 deste maio), uma de suas canções preferidas é Estrada do Sol (de Dolores e Tom). “Cantar Dolores. Dores em espanhol. Foi isso que essa companheira veio fazer aqui no nosso mundo. Cantar as dores, e as piores: as dores do amor” (1),conclui Fátima. 
      Em 1979, ao comemorar seus 30 anos de mercado fonográfico e lembrar os 20 anos da morte de Dolores, a gravadora Copacabana lançou um álbum duplo (2 LPs), sobre Duran, na contracapa estão estas observações do intransigente apresentador Flávio Cavalcanti: “Dolores anos 50, de vestido novo à lá 79. Belinha e eu ficamos a recordar a “bochechinha” adentrando pela nossa casa, nas madrugadas dos após boates. Ela e Macedo. Tempo bom. Ou aparecendo de repente, à tardinha, pras aulas de alemão, pois queria gravar com pronúncia certa. Dolores sempre sorrindo, sempre descontraída, inteligente, moleque toda vida”.
      Relata ainda, que recebeu um telefonema do jornal O Dia, informando-lhe que a cantora morrera naquela manhã quando dirimia. “Desliguei sem conseguir falar. Me abracei a Bela e choramos juntos o impacto absurdo e cruel. A incrível previsão da amiga inesquecível “Ah, a solidão vai acabar comigo…”
      Ao finalizar, grafou (elogiando a tecnologia que recuperou as fitas cassetes do anos 50, cujo resultado ficou impecável): “Tão belo ficou tudo, que este LP (2 LPs) é “…a alegria de um barco voltando…”
      Vamos  à bela e inesquecível composição de A Noite do Meu Bem:
      Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
      E a primeira estrela que vier
      Para enfeitar a noite do meu bem
           Hoje eu quero paz de criança dormindo
           E abandono de flores se abrindo
           Para enfeitar a noite do meu bem
                Quero a alegria de um barco voltando
                Quero ternura de mãos se encontrando
                 Para enfeitar a noite do meu bem
                      Ah! Eu quero o amor,
                      O amor mais profundo
                      Eu quero toda a beleza do mundo
                      Para enfeitar a noite do meu bem
                           Ah! Como esse bem demorou a chegar
                           Eu já não sei se terei no olhar
                           Toda a  pureza que quero lhe dar
      O poeta Gonzaguinha, assim como Dolores, nos enche de alegria e crença na vida quando canta: “Eu fico com a pureza/Da resposta das crianças/É a vida. é bonita e bonita”. Dolores complementa: “Hoje eu quero paz de criança dormindo”. Há algo mais angelical? Mais puro?
      
      Nós, os autores do Facetas, queremos “o amor mais profundo”, hoje, a manhã e sempre às nossas leitoras mães, às quais dedicamos este verso do poeta maranhense Coelho Neto:
                                    “SER MÃE É PADECER NO PARAÍSO!”

      Notinha útil: Amanhã, dia das Mães, queremos que o amor se espalhe mundo afora (Peru, Brumadinho, Camocim de São Félix, Terra Preta, Puebla, Madrid, Luanda, Lagos, Vilhena, Manágua, Santa Maria, etc, etc, etc). Em qualquer que seja a metrópole,a megalópole, a cidade, a vila o lugarejo. Que o coração de mãe branca, negra, amarela, cafusa, esquimó, apurinã,  parda, albina, se encha de paz e contentamento. A nossa homenagem especial vai para a mãe e a esposa do nosso leitor Joás Sampaio: as senhoras Maria de Fátima Sampaio e Márcia Cristina Souza Sampaio, respectivamente. Parabéns!
      Fontes
      1. Encarte e CD Dolores Duran, col. MPB Compositores, vol. 28, Ed. Globo/RGE discos, SP, 97.
      2. LP  (duplo) Dolores Duran, gravadora Copacabana 30 anos, l979.
      3. Título baseado em “Leila, para sempre Diniz”, de Drummond (sem interesse em copiá-lo).
      5. Imagem: Rádio Batuta

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