Em meados dos anos 1980, o meu professor universitário Amercy Souza, irmão do notável escritor amazonense Márcio Souza, costuma dizer: “Um homem prevenido vale por dois. Na Amazônia, vale por quatro”. A turma não entedia absolutamente nada daquela citação. Um dia, eu quis saber o significado, e o mestre mansamente disse: “Por aqui tudo é muito difícil. Ainda não chegou o desenvolvimento econômico; a representação político-partidária é sofrível. O pouco que nos resta não tem fim social. Impera o capitalismo selvagem. Foi assim com a produção da borracha. Foi assim com o fim da E.F. Madeira Mamoré. Está sendo assim com a Zona Franca de Manaus, com a Transamazônica e outros projetos.”

Passados quase 40 anos dessa prelação – que não era uma profecia, mas uma constatação -, eis aqui a Amazônia de passado inglória e de presente nebuloso, que a remetem pera um futuro incerto. Vende-se para o mundo uma região assim, assada. Fala-se em sustentabilidade do uso racional dos seus recursos naturais, mas as queimadas florestais aumentam substancialmente ano após ano; a extração ilegal de minerais e madeiras desafiam as instituições federais; os povos indígenas estão a mercê de governantes inescrupulosos; o tráfico internacional de drogas faz da planície seu celeiro; as hidrovias e rodovias a deus dará, entre outros graves problemas.
Na semana passada, por necessidade familiar, precisei viajar de Manaus (AM) a Vilhena (RO) que faz fronteira com o Estado do Matogrosso, distante do meu ponto de partida, quase 1.600 quilômetros. São 800 km até Porto Velho (RO) e depois quase 800 até Vilhena. Qual o caminho escolhido? Aquele que seria o mais viável: a BR-319, haja vista que as passagens áreas estão literalmente nas alturas. De barco, 5, 10 15 dias de viagem, seja pelo rio Regro, rio Madeira, rio Purus, rio Solimões, etc.
Paguei 450 reais e embarquei num ônibus 0km da AMATUR. Foram 28 horas até chegar em PV. Por que tanta demora? Balsa, pontes de madeira, trecho em atoleiro, estrada obstruída por carreta em pane, etc. Cabe salientar que uns 400 km estão asfaltados (Manaus Careiro-Castanho e Humaitá-Porto Velho). No chamado “trecho do meio”, temido pelo mais experiente caminhoneiro, por quilômetros a fio a velocidade em média é de 30 km/h por causa dos “mondrongos” de barro no leito da estrada. Não há um só passageiro que não fique assustado, é óbvio.

Naquele mesmo dia, paguei 290 reais e segui rumo a Vilhena num ônibus de última geração de EUCATUR, percorrendo a mesma BR de “primeiro mundo”. Apesar de oito escalas nas cidades de Ariquemes, Ji-Paraná, Ouro Preto, Pimenta Bueno, Presidente Médici, entre outras. Treze horas depois eu estava no meu destino. Por que tanta disparidade, se a estrada é a mesma? Porque lá em Rondônia quem manda é o agronegócio. São centenas de carretas bitrem circulando diariamente. Portanto, não pode, em hipótese faltar pista asfaltada. São milhares de toneladas de grãos, principalmente soja, levadas para o Sudeste ou para o mercado exterior. Enquanto que o trecho que fica dentro do Amazonas, não há como escoar a produção devido a precariedade…
Vamos, enfim, ao que mais interessa. Em poucos anos a Transamazônica estará completando 50 anos. Por exemplo, em 1976, as máquinas do 5º BEC (Batalha de Engenharia e Construção) do Exército Brasileiro, chegavam em Lábrea (AM, às margens do rio Purus, distante 190 km do chamado “entroncamento” com a 319, em Humaitá. E, até hoje essa estrada não fora asfaltada. Por quê? Porque enquanto o imperar o poder de interesse econômico dos proprietários de balsas e barcos de linhas, chamados de “Recreios”, responsáveis por quase 100% de cargas e passageiros, esse quadro na irá mudar. O mesmo ocorre até Humaitá, que fica às margens do rio Madeira. Esses “donos” dos negócios para essas duas regiões, influenciam deputados e senadores a não se mobilizarem em Brasília para a conclusão definitiva da BR-319, por um lado. Por outro, desde a tal redemocratização do Brasil em 1985, todos os presidentes da República ignoraram essa estrada.
A senhora Marina Silva, que por sinal é do Norte, é acreana, em governos anteriores, foi quem mais dificultou a reconstrução dessa BR. Era da Pasta do Meio Ambiente, e toda que que era questionada a respeito, dizia que dependia de “Laudo Técnico de Impacto Ambiental”. Agora ela ressurgiu das cinzas novamente como Ministra caveirinha, ou melhor, do Meio Ambiente e não sabe interpretar o que diz. O chorão, ou seja, Alfredo Nascimento, que apregoava aos quatro cantos do Brasil, que se sentia um amazonense nato, foi ministro dos Transportes por longos anos, e nunca tomou a iniciativa “em fazer” essa estrada, chamada por muitos que vivem às suas margens de “caminho dos aflitos” e quem por lá viaja de “leito dos desesperados”.

Há mais de um ano, duas pontes que ficam próximas a Vila do Careiro desabaram (numa delas, inclusive, houve vítima fatal e danos materiais. Muito bem. No mês de julho/2023, os deputados estaduais do Amazonas, convocaram o presidente regional do DNIT para prestar esclarecimento a respeito desse ocorrido, e consequentemente aos incalculáveis prejuízos de natureza diversa. Quase gaguejando o senhor DNIT disse em outubro próximo irá publicar uma licitação para a construção das duas pontes. Isto quer que o problema persistirá. Não há interesse coletivo. A estrada fica na planície, é óbvio. Não tem aclive nem declive; não tem curvas. Já está desmatada. Qual é, então, esse tenebroso impacto ambiental? Imaginemos se fosse uma estrada lá pelas serras de Minas Gerais, do Ceará, fariam? Sim. por causa dos elevados interesses econômicos. Aqui não há interesse por essa estrada, mas sim pelos rios. Os lucros são mais vultosos. E o povo? O povo que se exploda, como diz o personagem do Chico Anísio, que por sinal era um deputado.
Até quando esse marasmo nos afetará? Quando irá surgir um presidente do quilate de Getúlio Vargas ou Juscelino Kubistchek que bata o martelo e determine?: “faça-se a BR-319, de Manaus a Humaitá”. É preciso contrariar esse quadro político- econômico carcomido que impera na Amazônia; no Amazonas. Assim, estão vivas as palavras – citadas acima – do mestre da UFAM, Amercy Souza, ditas em 1987.

Que o nosso litor tire as suas conclusões. Não se trata de oposição a quem quer que seja. Trata-se, portanto de fato. O nosso Gil traduz bem esse quesito: “O governador promete/mas o sistema diz não/os lucros são muito grande/mas ninguém quer abrir mão/mesmo uma pequena parte/já seria a solução” (1).
Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.
Fonte; 1. LP “Dia Dorim, Noite Neon”, de Gilberto Gil, SP: – gravadora WEA, 1985.
Excelente texto sobre a histórica BR 319, infelizmente prevalece os interesses econômicos de muitos, que não querem o asfaltamento da estrada, enquanto aos povos fica o desespero de não poder sair por uma estrada decente.
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Muito explícita essa questão amiho, parabéns á equipe do Facetas, por nos trazer uma situação um tanto periclitante, mas que foge do interesse de nossos governantes.
Nos áureos tempos (1980), tive o prazer de percorre-la entre Humaitá/Manaus, em apenas 12 horas.
Mas como bem citado o interesse econômico de poucos, bloqueia o interesse de muitos, em um voltar a vê-la totalmente asfaltada.
Falta interesse da bancada legislativa dos 3 Estados: Amazonas, Acre e Roraima, que se satisfazem com propinas que recebem para ficarem ” pianinho “.
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