“Raul 80, com Vivi Seixas”

“O diário pessoal e escritos inéditos do maior mito do rock brasileiro”. Trata-se de uma referência sobre o cantor, compositor e produtor musical Raul Seixas (1945-1989), nascido em Salvador (BA) e falecido em São Paulo (SP). Se estivesse vivo, no dia 28 de junho de 2025 teria completado 80 anos. Porém, o seu legado artístico há de perdurar por muito tempo em nosso meio, em nossa vida.

O BAÚ DO RAUL é um livro interessante, principalmente pela originalidade de seus escritos, os quais foram registrados “ao longo da vida do compositor e cantor Raul Seixas, que revela ao mesmo tempo o criador e a criatura de uma obra musical que conquistou as massas e transformou o artista num mito em culto ascendente”. Por exemplo, o texto a seguir, contido nas “orelhas” da citada obra, emociona fãs e admiradores. Vamos à sua íntegra:

“Raul Seixas injetou filosofia no iê-iê-iê, fez a massa pensar embalada em baladas, rocks e baiões. Conjugou Elvis Presley e Luiz Gonzaga. Blusão e chapéu de couro. Jegue e lambreta. Pregou uma sociedade alternativa à ditadura militar cabocla nos anos 70 respaldado nas tábuas da lei do inglês Aleister Crowley, um pensador independente do começo do século, responsável pelas bases da Declaração dos Direitos Humanos. Crowley, pagou com a ousadia o mico de inimigo público em sua época. Raul foi detido e expulso pelos fardados nativos. Mas, como seu inspirador, virou mito. E, como Carlos Gardel na Argentina, canta cada vez melhor. Seus discos póstumos saem aos borbotões e sua figura cresce em popularidade e culto.

O Baú do Raul ateia mais lenha ao lume desse farol dos tempos. De próprio punho, o escritor desvela bastidores de sua vida e criação. A família, as mulheres, as filhas. As angústias do processo de criação artística. O entrave da censura. O corpo-a-corpo com a fama, o vaivém do dinheiro e da popularidade. A solidão do aplauso. Os dentes afiados da engrenagem… A fronteira da loucura. O criador de Maluco Beleza experimenta o avesso do avesso, prova o gosto da lona após ter conhecido as vertigens do cume do sucesso.

Todas essas anotações de vida expressas sob os mais variados formatos – contos, poemas e relatos confessionais – foram resgatados por Kika Seixas, ex-mulher do compositor e guardiã de seu baú de preciosidades. Organizados para o formato de livro pelo crítico Tárik de Souza, estes textos destilam insuspeita a coerência e fidelidade estatística ao fio da navalha de um arista full time que transpunha para a criação a sua metafísica pessoal. Raul fustigou a sociedade com a vara curta de seu talento desmedido. Colheu o preço da polêmica, a oposição dos contentes e a solidariedade dos inconformistas . O material inédito de O Baú do Raul expõe à visitação pública outros gumos do mito e desnuda sua humildade, agulhada pela dialética das contradições. Criatura e criação agitam-se numa mesma metamorfose ambulante” (1).

Vivi Seixas, a filha caçula do roqueiro, tinha apenas oito anos de idade, quando soube que no dia 21 de agosto de 1989, o seu pai, aos 44 anos, havia partido no “trem das sete horas”. O mesmo trem que surgira “detrás das montanhas azuis/(…) Trazendo de longe as cinzas do Velho AEon”. Sem passagem, sem bagagem, Raulzito embarcara no “último trem do sertão”, deixando para as gerações do “começo, do fim e do meio”, ou seja, do ontem, do hoje e do amanhã, muita arte.

Por falar na bela e talentosa DJ e cantora Vivi Seixas, sem dúvida, ela comovera muitos ouvintes ao participar, por 56 minutos, do Programa Capítulo Rock, da Rádio Senado, que celebrou os 80 anos do nascimento do artista baiano, no último dia 04 desde mês. Segundo a herdeira, apesar de ser criança à época, ainda tem boas lembranças da convivência com o pai; diz que a mensagem de algumas músicas é atualíssima – como se o disco tivesse sido lançado há poucos dias; fala sobre alguns LPs e quais as suas canções preferidas; elogia Marcelo Nova, o último e tolerante parceiro musical de Raul. O programa radiofônico faz bem a quem o ouve. É simplesmente imperdível! Assim, como vale a pena o telespectador assistir a série “Raul Seixas: Eu sou”. As fotos de Vivi com os discos de Raul, e Vivi com o pai, vistas aqui no Facetas, estão disponíveis na Internet.

Consta no livro uma carta (84), e apesar de hospitalizado, o cantor diz à criança de apenas três anos de idade: “Minha filha Vivi, não fiquei muito sozinho pois o “Capitão Garfo” vinha me ver toda hora, e como não tinha boneca por perto (criança e brinquedo) ele ficou meu amigo. (…) Estou morrendo de saudade de você minha filhinha. Daqui a pouco eu tô aí pra te ver. É que agora papai vai ter que fazer uma porção de shows para ganhar um bocadão de dinheiro pra comprar coisas e surpresas e presentes pra você. Eu amo você e sua mãe (a quem, também, escreve uma carta: “Querida Kika”). Fiquem direitinhas, tá. Com todo carinho, papai Raul” (1).

No dia 20 de agosto de 1989, um dia antes da “parada cardiorrespiratória  provocada por pancreatite crônica”, segundo o laudo médico, Raul ainda fez esta anotação: “A coisa mais gostosa que tem é falar alto sem ninguém pra me ouvir exceto eu mesmo. A minha voz ecoando nos aires da minha enorme solidão. Eu sei que amanhã (dia de show) vou rir do que escrevi. É que a vida é uma coleção de momentos.

Vou esquentar meu peixe, ver TV, pois TV tem som e imagem. Agora!! Estou com a TV ligada que me anuncia um filme: Promessa de Sangue. Sofrendo uma crise de solidão. É horrível. Eu coloco um disco de New Orleans orquestrado e sento no fogão à espera da panela esquentar e eu canto À Beira do Pantanal (do fogão)” (1).

Concluímos, então, com este poema de 1983, que consta no Baú: “És tão lindo/Oh, Meu Deus!/Perdoa esse homem que sou/Nada sou senão um átomo de Ti./Ajudar/Amar”.

Por Angeline e Francisco Gomes e Winnie Barros.

Fonte consultada: 1. Seixas. Raul. O baú do Raul. Sel. de Kika Seixas: org. e apresentação de Tárik de Souza. – 8. ed. – SP: Globo Livros, 1992.

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