O mundo poético de Neruda

    Você sabe quem foi Neftalí Ricardo Reyes Basoalto?
     Foi ele mesmo. Pablo Neruda (1904-1973), poeta chileno que adotou esse pseudônimo em homenagem ao poeta tcheco Jan Neruda. Aos 17 anos de idade, Neftalí foi estudar francês na Universidade do Chile onde escreveu os seus primeiros poemas, os quais foram reunidos e publicados em Crepusculario, em 1923.
     Sua obra se caracteriza por um apetite voraz pelo amor, a vida e a linguagem e uma infindável capacidade para a invenção e a reinvenção. Daí ser a sua produção literária estarrecedora: mais de 50 livros, contabilizando 3.500 páginas de versos que venderam, talvez, mais de 1 milhão de exemplares e foram traduzidos para várias dezenas de idiomas mundo afora.
     Entre 1924, quando se firmara como poeta e 1973, ano em que morreu, ele ganhou o mundo, ou seja, viajou para vários países. Conquistou seu espaço, ora otimista, ora pessimista. Foi um poeta muito marcado pela emotividade e uma obra de forte penhor humanitário. Foi cônsul, embaixador, senador. Perseguido pelo governo por causa das suas ideologias esquerdistas, morou longe, voltou. Casou, separou. Casou novamente, separou. Casou outra vez, amor para sempre. Tornou-se comunista: reclamou, protestou, candidatou-se…Fez muito, e muito mais pela literatura chilena no vernáculo espanhol. Mas fez muito mesmo pela poesia mundial. Veio a idade adulta, correu o tempo, chegou a velhice, e com quase 70 anos foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, em1971.
     Suas últimas décadas de vida foram marcadas pela felicidade conjugal com a terceira mulher, Matilde Urrutia, com quem foi morar em Isla Negra, no Pacífico, a partir de 1952. A ela é dedicado um dos seus mais importantes livros: Cem sonetos de amor, cuja obra é dividida em 4 partes: MANHÃ (os primeiros versos do soneto I narram: ” MATILDE, nome de planta ou pedra ou vinho,/  do que nasce da terra e dura…”); MEIO-DIA (os primeiros versos do soneto XXXIII narram: “AMOR, agora nos vamos à casa/ onde a trepadeira sobe pelas escadas…”); TARDE (os primeiros versos do soneto LIV narram: “ESPLÊNDIDA razão, demônio claro/ do cacho absoluto, do reto meio-dia…”); e NOITE (os primeiros versos do soneto LXXIX narram: DE NOITE, amada, amarra teu coração ao meu/ e que eles no sonho derrotem as trevas…). Um espetáculo! Emoção à flor da pele! Uma declaração de amor após a outra.
     Tem mais. Na apresentação de Cem sonetos de amor, em outubro de 1959, na tradução de Carlos Nejar, Neruda narra as seguintes palavras a Matilde, assim:
                              “Senhora minha muito amada, grande padecimento tive ao escrever-te estes    mal chamados sonetos e bastante me doeram e custaram mas a alegria de oferecê-los a ti é maior uma campina. Ao propô-lo bem sabia que ao costado de cada um, por afeição eletiva e elegância, os poetas de todo tempo alinharam rimas que soarem como prataria cristal ou canhonaço. Eu, com muita humildade, fiz estes sonetos de madeira, dei-lhes o som desta opaca e pura substância e assim devem alcançar teus ouvidos. Tu e eu caminhando por bosques e areias, por lagos perdidos, por cinzentas latitudes recolhemos fragmentos de pau puro, de lenhos submetidos ao vaivém da água e da intempérie. De tais suavíssimos vestígios constrói com machado, faca, canivete, estes madeirames de amor e edifiquei pequenas casas de quatorze tábuas para que nelas vivam teus olhos que adoro e canto. Assim estabelecidas minhas razões de amor te entrego esta centúria: sonetos de madeira que só se levantaram porque lhes deste a vida”.  

      Seus principais livros são: Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, por sinal, seu segundo livro, quando ainda era um jovem de vinte e poucos anos; Residência na Terra; Alturas de Machu Picchu; Canto geral (ou Canto General); Os versos do capitão; Odes elementares; Cem sonetos de amor, todos de poemas. Sua autobiografia Confesso que he vivido (Confesso que vivi), não ficção, publicada postumamente em 1974, no ano seguinte após sua morte, é extraordinária testemunho sobre o homem, o político, o poeta e seu tempo.
      Apesar de traduzido para o português, que querendo ou não, alguns poemas perdem suas características em relação ao idioma originário – sem desmerecer os tradutores -, não é tarefa fácil selecionar um único poema para finalizar este artigo, se cada um deles é mais belo que o outro, principalmente os que compõem Vinte poemas de amor e uma canção desesperada
     Confesso, não foi fácil, entre tantos lindo poemas, escolher um para encerrar este comentário. Fiquei com o seguir escrito. Espero que você também goste.

  
“Já não se encontrarão os meus olhos nos teus olhos,
 já não se adoçará junto a ti a minha dor.
          Mas para onde vá levarei o teu olhar
           e para onde caminhes levarás a minha dor.
                   Fui teu, foste minha. O que mais? Juntos fizemos
                    uma curva na rota por onde o amor passou.
                              Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te ame,
                             daquele que corta na tua chácara o que semeei eu.
                                   Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou.
                                    venho dos teus braços. Não sei para onde vou triste.
                                        … Do teu coração me diz adeus uma criança. 
                                        E eu lhe digo adeus”.
Referências
1. Cem sonetos de amor,  L e PM Pocket, pp. 3, 5, 41, 65 e 93, 2005.
2. 501 Grandes escritores, sextante, 2008, pp. 274/5.
3. Nova Enciclopédia Barsa, vol.10, 1999, pp. 293/4.
4. http://www.paralerepensar.com.br
5. http://www.pensador.uol.com.br

3 comentários em “O mundo poético de Neruda

Deixe um comentário