“Liberdade, liberdade! Abre as asas sobre nós…! (1989)”
Soube, por meio de um irmão meu, que no mês passado, quando o presidente Barack Obama visitava Cuba, uma jornalista quis saber de Ramon Castro, se o povo daquela Ilha tinha liberdade. Ele que é o resultado de um misto de astúcia e autoritarismo, retrucou instantaneamente, devolvendo à autora o direito de questionar o tema com quem estivesse habilitado para responder o QUE É LIBERDADE, inclusive com o representante dos EUA que estava no recinto.
É. Muita gente boa já tentou viver a liberdade ou até mesmo defini-la nas suas peças teatrais, seus livros, seus poemas, suas canções, seus protestos, suas marchas. Só para exemplificar, cito autores que abordam esse tema em suas músicas: Gonzaguinha, Caetano Veloso, Zezé Motta, Djavan (que por sinal compôs “Liberdade”, que é um clássico na interpretação de Simone), pagodeiros e muitos outros. Porém, foi o cantador e compositor Zé Ramalho e o lendário poeta Capinam, com declamação dos memoráveis versos de … Uma Canção Desesperada, do imortal Pablo Neruda, pelo cantor Raimundo Fagner, que souberam reunir num único poema, as diferentes manifestações de liberdade, na acepção da palavra. Leia a seguir este fantástico hino à liberdade:
XOTE DOS POETAS
Sonhei com Pablo Neruda
Em plena praia do futuro
Escrevendo num imenso muro
La palabra libertad
Com poemas de Vinicius
En las manos eran hermanos
RECITAVA ELUARD
E gente em plena tarde
Poetas de todo mundo
Escrevendo por toda parte
La palabra libertad
Voava com Castro Alves
Gregório também Gonçalves
Dias e noites latinas
Cabral dançando um frevo
E um cego de improviso
No imenso salão da claridade
Relampejou num sorriso,
La palabra libertad
Toda família Andrade
Zé Limeira, Ferreira e eu
Pessoa e Garcia Lorca
Queimando o pau de uma forca
Hasteando Manuel Bandeira
LA PALABRA LIBERTAD
Maracatu de D. Santa
Batutas de S. José
Patativa do Assaré
E também Dodó e Osmar
Vi Dirceu atrás da grande
Abre, Marília, sou eu
Sonhando num céu de fogo
Libertas quea sera tamen
E um cheiro de tangerina
Descascava Jorge de Lima
As invenções de Orfeu
Rezava Murilo Mendes
Gritava o povo no vale
Num muro grande concreto
Gás neon sobre o deserto
A inscrição
LIBER TARDE
Gritava o pé de chinelo
Esquentava o boia-fria
Soletrava um pau de arara
Entre as coxas de Maria
E um prato de feijão
Decifrava um analfabeto
A escrita de Malarmé
Em pleno golpe da sorte
A morte fugiu pra Marte
A vida disse: aqui jazz
Swing por toda parte
Xote, xaxado e baião
O repentista Azulão
Anunciou no sertão
A PALAVRA LIBERDADE
Una canción desesperada
Duas chilenas amaban
Se fueron con tres donzelas
Cuatro muchachas morenas
A las cinco en punto de la tarde
Las seis grandes bascas
En siete estrellas tornaron
Ocho novias brasilenas
Nueva puñales, diez varandas
Sangre nel mural de la tarde
LA PALABRA LIBERTAD
Então, o que é liberdade, propriamente dita? Há mais de uma forma de liberdade ou ela manifesta-se diferentemente de uma pessoa para para outra? A Constituição Federal Brasileira assegura a todo cidadão, liberdade de ir, vir e estar; liberdade de crença, de culto; liberdade de manifestação do pensamento e de expressão. Será?
O filósofo, o sociólogo, o antropólogo, o governante, o governado, o líder espiritual, o ditador, falam em liberdade. O poeta, principalmente ele, clama por liberdade. É só passar na frente de um presídio, para o observador lembrar-se que ali há ausência de liberdade de alguém. Quem vai ao analista, sente-se preso por algo… Que falta de liberdade é essa? Por que teme-se da sentença do Juiz todo aquele que pode perder ou ganhar liberdade, por ter transgredido a lei ou não? Por que, ainda, há tantas casas cercadas por gradis? Quem está sem liberdade dentro delas? Por que tantos muros, tantos medos, tantos temores?
E Auschwitz, onde está? O que restou? Qual é o tamanho da prisão mental de quem por lá passou e vivo ainda está? E Albatroz, quem de lá fugiu e o que contou? E o Carandiru, acabou, se acabou ou acabou-se? E Guantánamo (motivo da pergunta da repórter ao ditador Ramon Castro, citada no início deste comentário), até quando? E os 27 anos de vida de Mandela, ceifados numa prisão da África do Sul, quem mais esteve aprisionado com ele? Enfim, qual liberdade deve ser perseguida, garantida e obtida?
Eu prefiro a que fora anunciada pelo repentista Azulão: A PALAVRA LIBERDADE.
1. Zé Ramalho, no encarte do LP Orquídea Negra, Gravadora EPIC, lado B, faixa 4, 1983.
2. Tb. disponível no CD n. 2 502907, Sony Music, col. Zé Ramalho, 2002.