Ela nasceu a 27 de junho de 1880, no condado de Tuscumbia, Alabama, nos EUA e naquele país morreu, em Westport, Connecticult, quando restava-lhe menos de um mês para completar 88 anos de idade. Estamos nos reportando sobre a escritora e conferencista Helen Adams Keller, cuja trajetória de vida e a maneira como superou deficiências físicas é algo surpreendente.
“Até aos dezenove meses foi uma criança normal a quem as flores, o voo das aves e o jogo contrastante da luz e das sombras pareciam encantá-la”. Com aquela idade seu pequeno corpo foi acometido por umas febres que lhe afetaram “o cérebro e o estômago”. Foi quase desenganada. Mas, logo a doença sumiu. Passados alguns dias, sua mãe notou que a pequena “não fechava os olhos quando tomava banho”. Foi ao oculista e o mesmo constatou que estava cega. “Não reagia às badaladas mais violentas de um sino”: estava surda. Ao completar três anos havia esquecido “as poucas palavras que balbuciava aos 19 meses”: estava muda.
Essa seria a assombrosa história da vida de Helen, se não houvesse superado aquela “terrível inferioridade” para tornar-se uma das mais famosas personalidades do mundo contemporâneo. Desde cedo ela aprendeu que por causa das suas deficiências, não poderia ser tratada distintamente dos outros seres, mas “viver e trabalhar como quaisquer pessoas e com o peso das mesmas responsabilidades”.
Foi, quando travou uma luta incansável pelo: “TENHO QUE FALAR”. Isso foi aos 6 anos. Aos 10 já lia com avidez pelo método Braille e se comunicava por meio do alfabeto dos mudos. Mas, falar… Com essa vontade, em 1890 foi parar na Escola de Surdos Horace Mann, em Boston. Lá, a diretora Sarah Fuller, “começou a trabalhar com sua nova aluna”. Ali conheceu a jovem Anne Sullivan, recém-diplomada, que passou a ser a preceptora de Helen por meio século (só a morte as separou).
Um dia, após a 7ª aula, das 11 lições que recebera de Sarah, a garota voltou-se para Anne e disse: “Já não sou mais muda”. Era uma proeza gigantesca para quem, ainda, tinha menos de um mês de aprendizado “e já era capaz de utilizar as palavras para exprimir o pensamento” , se até aquela idade (10 anos) sabia apenas emitir os sons roucos dos mudos. E, agora, saiam dos seus lábios, palavras com doçura quase musical.
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Foto rara de Hellen Keller em Portugal. Fonte: Grandes Vidas, Grandes Obras |
Era apenas um prólogo na grande batalha que teve de travar pelo dom da fala. Assim o fez por semanas, meses e anos para aperfeiçoar a pronúncia, servindo-se dos dedos para captar as vibrações da garganta de Anne. Aos 60 anos, “o seu domínio da palavra falada é considerado “a maior vitória individual da história da educação”.
Nunca mais deixou de fazer exercícios vocais. Tornando-se perita em “ler” nos movimentos dos lábios por intermédio das suas vibrações. Toda essa luta contra as trevas que a rodeavam começou quando a criança tinha apenas 6 anos. Helen era forte e bem constituída. Porém, seu caráter, originalmente meigo e calmo, “dissolvia-se em terríveis ataques de cóleras”, por não ser entendida.
“As suas maneiras à mesa eram horríveis. Nunca lavava a cara nem atava os sapatos. Anos mais tarde, escreveu: “Sentia que mãos invisíveis me prendiam e fazia esforços desesperados para me libertar”.
Quando conheceu Keller, Anne “ficou surpreendida com o aspecto atraente e a inteligência que irradiava do rosto da pequena Helen”. O primeiro esforço consciente para ensinar a sua discípula, foi dar-lhe uma boneca e soletrar-lhe na mão a palavra “b-o-n-e-c-a”. Depois decidiu separá-la dos seus perturbados pais e foi viver com ela para uma casita contígua. Depois vieram as vontades de ambas: a professora triunfou.
Em pouco tempo, a Anne pode observar que a pupila da criança já possuía várias maneiras de exprimir os seus desejos, ou seja, um gesto diferente para algo diferente que lhe interessava: sorvete, pão com manteiga, embalar a boneca, etc. Passadas duas semanas, a professora levou-a junto do fontanário e acionou a bomba para encher uma jarro de água. Quando a água começou a cair no jarro e sobre a mão direita da menina, Anne soletrou-lhe a palavra “á-g-u-a” na outra mão'”.
“A palavra, tão imediata à sensação da água fria que lhe corria sobre a pele, pareceu surpreendê-la, escreveu Anne. “Deixou cair a jarra e ficou como que em êxtase. Uma nova luz iluminou-lhe o rosto”.
A própria Helen recorda esse acontecimento assim: “Fosse como fosse, o misterioso segredo da linguagem revelou-se-me naquele instante. Descobri que água significava aquela coisa deliciosamente fresca que me tinha corrido pelas mãos. Aquela palavra acordou o meu espírito: deu-lhe luz, esperança, alegria; pô-lo em liberdade”.
A partir de então, para ela a cada coisa cabia um nome. Daí em diante, a sua educação continuou com uma rapidez surpreendente. Vieram, assim, as primeiras frases, mesmo que curtas.
“Quando os seus dedos se pousam sobre as palavras que conhece”, escreveu a dedicada professora, “grita de alegria, abraça-me e beija-me. Um dia dei-lhe a minha ardósia Braille para a distrair e, momentos depois, estava a escrever letras. Eu não imaginava que Helen soubesse o que era uma letra”.
Ao fim de três meses, a aprendiz sabia mais de 400 palavras e muitas expressões. Mas, os exercícios continuaram. Aos 8 anos foi à Instituição Perkins, e como outras crianças estudava geografia, aritmética, zoologia, botânica e dedicava-se à leitura. Tudo foi de grande progresso mental àquela criança.
Quando esteve em Cape Cod, ela aprendeu a nadar, a remar, a montar a cavalo e andar a bicicleta de dois lugares. O mar foi-lhe uma grande surpresa. Keller tornara-se, então, uma moça alta, graciosa, cheia de encanto e espirituosa.
O passo seguinte seria a educação universitária. Preparou-se de maneira meticulosa e entrou para um colégio feminino, em Cambridge, no Estado de Massachusetts. Tendo Anne sempre consigo. Aos 20 anos, em 1900, matriculou-se em Dadcliff: era a primeira pessoa que, com uma tripla incapacidade física, ingressava numa instituição de estudos superiores.
Estudava muito pelo método Braille, álgebra, geometria e física, em livros vindos da Inglaterra e da Alemanha, nos quais lia até ficar os dedos em sangue. Em 1904, licenciou-se, com menção honrosa, em inglês. Logo surgem convites para se apresentar em publico e para colaborar em várias revistas. Tudo voltado para a educação dos cegos e surdos. Um exemplo de sua popularidade: quando se apresentou na exposição de Saint Louis (1904), não foi possível conter à multidão que queria vê-la, ao ponto de rasgar-lhe o vestido.
De novo, vivia uma luta extenuante: regular o timbre de voz. Qualquer coisinha (chuva, vento, poeira, etc) poderia afetar-lhe a garganta. Apesar dessas adversidades, em 1913 fez o seu primeiro discurso em público. Porém, o medo não deixava as palavras saírem de sua boca. Depois dessa data, Helen e Anne, apresentaram-se várias vezes em público.
Hellen Keller com sua profa, Anne Sullivan
Fonte: Deborah Martini
Helen Keller falando
Fonte: Helen Keller Channel
Em 1914, ambas fizeram uma série de viagens por vários países, para conferências. Helen estava encantada com essa nova atividade, que achava cheia de cor, de vida e de novidade. “Sentia no rosto o entusiasmo do público”. A essas alturas já era conhecida no mundo inteiro. Os seus livros estavam sendo traduzidos em muitas línguas e adaptados em sistema Braille.
Nos anos 30, foi várias vezes à Europa. Esteve no Oriente, sempre interessada em melhorar à situação dos cegos. As pessoas queriam vê-la. “Era uma mulher culta, serena, capaz de fazer frente a qualquer emergência. Recebeu títulos honoríficos e com decorações em diversos países”. Quando esteve no Japão, após a 2ª Guerra Mundial, “crianças das mais distantes aldeias acorriam a saudá-la gritando seu nome, que, mesmo antes do aparecimento da rádio, do cinema, e da televisão, tornara conhecido nas regiões mais longínquas”.
No entanto, a saúde de sua preceptora Anne, de novo quase cega, piorava visivelmente, já não podia acompanhar a vigorosa Helen. Anne morreu em 1958. Ano em que ambas foram condecoradas com a Medalha Roosevelt, por “Feito de Cooperação do Caráter Único e Alto Significado”.
Keller morreu em 1968 (10 anos depois de sua inesquecível professora), e jamais deixou de ser uma mulher muito espirituosa. A sua fé a acompanhou nas suas ocupações diárias, cujo profundo silêncio somente os cegos-surdos-mudos conhecem.
Pouco antes de fechar para sempre os olhos, Helen disse:
“Espero feliz, a chegada do outro mundo
onde todas as minhas limitações cairão como grilhetas;
aí encontrarei a minha querida professora e me dedicarei,
alegremente, a um trabalho muito maior do que aquele
que até agora conheci”.
Sem sombra de dúvidas, pode-se dizer que a vida de Helen Adams Keller, constituiu (e constitui) um estímulo extraordinário não só para os cegos mas também para toda a humanidade. Que os milhões de portadores de deficiências especiais, espalhados pela Terra, além de respeitados, possam reunir forças para superar toda e quaisquer adversidades, como Aleijadinho, Ray Charles, Dorina Nowill, entre tantos.
Pesquisa e texto: Francisco Gomes
Arte e divulgação: Winnie Barros
Fonte:
1. “A lição de Helen Keller, por Ishbel Ross, in Grandes Vidas, Grandes Obras. Seleções do Reader’s Digest, Ambar-Porto, Libosboa – Portugal, 1980. pp. 90/97.
1. “A lição de Helen Keller, por Ishbel Ross, in Grandes Vidas, Grandes Obras. Seleções do Reader’s Digest, Ambar-Porto, Libosboa – Portugal, 1980. pp. 90/97.