
A publicação por este blog, de um artigo sobre o clássico poema “Cobra Nonato”, de Raul Pop, foi um sucesso entre os nossos leitores. Alguns relataram que desde criança mantêm o hábito de leitura de lendas, causos, estórias, mito folclóricos, etc. Isso não ocorre apenas no Brasil, mas entre outros povos, civilizações, culturas continentais, em todo o mundo, enfim. Agora é a vez de Saci, sua origem e travessuras.
No mundo brasileiro, “um personagem que não é de origem indígena, como muitos afirmam”, já “apronta mil travessuras e tanta encanta crianças e adultos”, há um século, trata-se de Saci Pererê. Esse misterioso “menino”, cujas peripécias são divulgadas por meio de textos, músicas e outras artimanhas, incialmente publicadas por Monteiro Lobato, em 1917.
“No princípio do seu Inquérito, Lobato afirma que o Saci “sofreu o influxo do africano, passando de caboclinho a molecote. Modificou-se por injunção da psíquica portuguesa. O mestiço meteu nele muita coisa de seu”, isto é, “às vezes perverso, outras solidário, imprevisível, o Saci-Pererê surge como um produto misto numa sociedade em que a mestiçagem era, antes de tudo, uma mal”, conclui a historiadora da UFMG, Carla Maria Junho Anastasia.
Apesar de sua estreita convivência com o sertanejo, por um lado, por outro, “o Saci, assim como Exú, tumultua e desorganiza o cotidiano. Nos depoimentos, era responsável por muitos estragos: em tempo de milho verde, os sacis vinham em bando roubar espigas e quebrar todos os pés de milho”.
Tem mais: “Há também uma grande preocupação em identificar as origens do Saci, visto tanto como uma adaptação de lendas indígenas, quanto uma mistura de entidades que povoaram o imaginário das três etnias que formaram o povo brasileiro” (1).
Anexo ao artigo “Saci-Pererê, um mito sertanejo?”, da pesquisadora em questão, a própria revista “Nossa História”, faz interessante consideração subtítulo “Nomes e Parentes”, assim (trechos):
“Há o Saci-Ave, espécie de demônio que engana com seu canto os viajantes nas estradas. Saci é também uma corujinha que encarna a alma de um pajé: não satisfeito em fazer maldades em vida, continua, como Saci, a perseguir os desafetos. O Saci ainda é confundido com o mito português Matintaperera. No Amazonas, a Matintaperera ou Matitaperê é uma velha transformada em pássaro que tem um assobio agudo à noite, perturba o sono e assusta as crianças. Para acalmá-la, basta lhe oferecer fumo”.
Vem do antropólogo Olívio Jekupé, a seguinte afirmação: “o Saci é uma criação nativa dos povos da floresta. Chamado Kambaí em guarani, Yaci em tupi e Matintaperera no Amazonas, tem duas pernas, não usa carapuça e todo o seu poder vem de um colar, chamado Baeta, que usa sempre. Para Jekupé, essa entidade foi transformada no Saci-Pererê pelos africanos, que misturaram com Ossain, filho de Oxalá e Iemanjá, negrinho de uma perna só, orixá das folhas, da cura e da magia” (1).
Há quem garanta ser o Saci “uma mistura de vários entes que povoam tanto o imaginário ocidental quanto o africano”. No folclore do Haiti, P. e., é ele “um menino veloz que corre à noite buscando suas vítimas. No Brasil, ele tem uma cabeça enorme e um grande buraco nas costas, onde joga as crianças para, depois, devorá-las”. O Saci também tem muito de Exu (o senhor dos caminhos), que além de irresponsável se divertia aprontando confusões.
Aqui no país tupiniquim, “os jesuítas, na tentativa de moldar divindades à maniqueísta configuração católica, vincularam-no ao diabo. A escolha recaiu sobre Exu, devido a seu fácil relacionamento com os humanos, já que é responsável pela ligação do mundo espiritual ao material” (1).
Porém, “a força” de Saci “ainda tem muita semelhança com os duendes europeus”, sempre aprontando alguma peraltice. São tantas de Norte a Sul. Uma de suas características marcantes é ficar invisível, ou seja, “nunca se deixa ver de dia por que fica “escondido nas tocas de tatu, nos ocos das árvores velhas, ou atrás da samambaias à beira dos rios, o esperto moleque de carapuça vermelha sabe como ninguém o segredo de não ser visto” (1).
A narrativa da professora Carla Anastasia é interessante. A pesquisadora utiliza-se de Saci como pano de fundo para ilustrar como era a vida do sertanejo – “a luta pela sobrevivência” -, nos depoimentos do Inquéritos, colhidos por Lobato, nos idos do século XX, cujo mundo “estava associada às circunstâncias do cotidiano”.
Assim, diz a citada autora, “é possível apresentar o Saci-Pererê como um produto desse mundo: as diabruras representavam os elementos desestabilizadores e incontroláveis do dia a dia no sertão. (…) Onde o imprevisível e a violência predominavam e nem sempre a solidariedade era um valor compartilhado” (1).
Por fim, “é no estudo das crendices populares, como a do Saci-Pererê, que se pode revelar a alma do povo brasileiro, e revelar é conhecer (…). Afinal, foi a criação alegórica a partir de mitos europeus, africanos e indígenas que deu forma ao Saci-Pererê” (1).
Independente da idade nossos leitores, essas esta e outras estórias são pra lá de prazerosas e realmente mexe como o imaginário de todos. Curtam muito este artigo especial deste mês de maio.
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Por Angeline, Francisco e Winnie.
Fonte: Anastasia, Carla Maria Junho. “Saci-Pererê, um mito sertanejo ?”, RJ, revista Nossa História, ano 1, Nº6, abril de 2004. Pp. 40/44.
Obrigado.
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