
Até o final da década de 90, era muito comum, entre os adeptos do vinil ou da fita K7, ficar aguardando o lançamento do ano do artista preferido. As gravadoras, quase todas, faziam essa divulgação no segundo semestre. A CBS, por exemplo, no mês de dezembro, fazia chegar às discolândias de todo país, o disco de Roberto Carlos. As rádios não paravam de tocar, as vendas estouravam; e os presentes natalinos, idem.
Assim ocorreu com Extra de Gilberto GIl, em 1983, quando a música-título tornou-se um hits em todo Brasil. A ouvia pelo rádio, ou raramente pela TV chuvisco em preto e branco e cantarolava estes versos: “Baixa/Santo Salvador/Baixa/Seja como for/Acha/Nossa direção/Flecha/Nosso coração…”. Porém, só fui conseguir o LP em março de 1984. Distante, tudo era muito difícil até chegar da capital Manaus ao interior, quando ouvi outros sucessos: Punk da Periferia, A Linha do Tempo, Mar de Copacabana, Funk-se quem puder, etc.
Passados 31 anos (de 83 a 2014), a cantora Rita Benneditto (ex-Rita Ribeiro. Não confundir com a autora de Minha Rainha), lançou Encanto, com 13 faixas, como Água (Djavan), Fé (Roberto e Erasmo Carlos) e Extra (Gilberto Gil). O CD é excelente em tudo: direção, produção, arranjos, seleção musical, interpretação, arte fotográfica, etc. No encarte, Rita escreve: “Agradeço ao meu fiel e especial público pela vibração e alegria em todos esses anos”. Extra, é um espetáculo à parte, pelas participações especiais de Reggae B e Priest Tiger e, também pelos efeitos e arranjos vocais de Bid, que são majestosos.
Rita é encantadora. Rita encanta. Rita canta. Encanto é assim: pura beleza musical. A artista sabe o valor do seu trabalho. Está engajada com projetos culturais e defende a categoria artística. Em entrevista a 18.10.18 ao programa Escala Brasileira da Rádio Senado, comandado por Alcebíades Muniz Neto, ela revela a origem de sua formação musical como “cria da rua”, ou seja, um punhado da manifestação cultural popular do Maranhão, regado a muito reggae, MPB, Brega e até mesmo da música norte-americana. Numa época que era tudo muito difícil antes do início da carreira. Tempo em que o rádio foi fundamental nesse processo.
Em meados dos anos 80, segundo a entrevistada, São Luís (MA), vivia um período de efervescência cultural muito forte: fosse pela poesia, música, teatro, ou dança. Foi dessas fontes que Rita extraiu a seiva para sua música. Como Meu Amo, do 1º disco, que diz gostar muito, como 7Marias de outro trabalho, em homenagem a mulher: Sua liberdade. Sua força. Seu empoderamento. “A canção é uma reverência ao sagrado feminino. A força natural e divina das mulheres em sua máxima expressão de afirmação e igualdade”, completa.
Sobre a questão cultural brasileira, no geral, foi enfática ao dizer que “vivemos um total retrocesso na área de cultura”. Estamos muito atrasados; os incentivos no setor são parcos, por um lado. Por outro, sem querer generalizar, “o próprio brasileiro não busca” sair dessa condição. São sinais da raiz cultural desde o período da escravidão. É o chamado “complexo do vira-lata”‘. Esse “modelo” comportamental se reflete assim: “Pobres entre outros pobres/Pobres entre outros bichos”.
Seu 2º disco, Filhos da Precisão, a canção homônima traz estes versos sobre a nossa realidade: “Os filhos da precisão/Pedirão mais por um destino/Do que por sair da lama”. Mas, admite ser a música uma forma de ajudar na melhoria da nação, “em todos os sentidos”, uma vez que essa arte, quer dizer, “a música é como a água, necessária”, sempre.
Alcebíades quis saber sua opinião sobre a profissão do músico, do compositor, do cantor, do artista enfim. Rita responde: “Há uma diluição muito grande. Porém, o artista deve tornar-se forte”. Não pode perder jamais o interesse pela sua criação, pela manifestação artística, que alimenta, não somente a música, mas todas as artes existentes, seja no Brasil ou em qualquer lugar da Terra.
Também falou do CD Encanto e das canções nele contidas Fé, por exemplo, tornou-se nome de show em março de 2015 e ganhou videoclipe. Falou também da aceitação do seu trabalho no exterior, como nos Estados Unidos da América, Hungria e França. E, ainda, do projeto Tecnomacumba, que trata-se de um manifesto da nossa brasilidade, o qual já tem mais de 15 anos (2003) de existência e já foi até tema de show que contou com a participação de outros artistas. Quem acessar essa entrevista verá que é uma verdadeira aula de ambas as partes: Alcebíades versus Rita.
Quem é essa cantora e compositora? É a Rita de Cássia Ribeiro, de 54 anos, nascida no Município de São Benedito do Rio Preto (MA). Daí a origem do seu nome artístico a partir de 2012, tanto referente a sua terra natal como também ao seu pai, Fausto Benedito Ribeiro. Nas duas primeiras décadas de carreira, a partir dos anos 90, ela assinava sus letras como Rita Ribeiro. Não “misturar” as coisas (como ocorre na internet) com a outra Rita, autora de Minha Rainha. Por sinal, um clássico nas vozes de Nelson Gonçalves, Noite Ilustrada entre outros. Por sinal, a Benneditto era uma criança, quando a outra Rita compôs estes memoráveis: “Um dia você pensar direito/E vai procurar um jeito,/Para me pedir perdão”.
Finalmente, vamos nos precaver com estes proféticos versos do poeta Gil, da última estrofe de Extra: “Eu, tu e todos no mundo/No fundo tememos por nosso futuro/ET e todos os santos valei-nos/Livrai-nos desse tempo escuro”. Verdade, precisamos fechar este ano com chave de ouro. Que esse “tempo escuro” que perturba o mundo inteiro com dias sombrios, finde e a luz da vida volte a brilhar em todos os lugares, em todas as classes sociais, todos os Continentes – pax, pax!
Notinha de agradecimento – Eu e Angeline estávamos concluindo este artigo, quando bateu em nossa porta, o amigo Antônio Carlos Lacerda de Souza, e pelo qual fui presenteado com as obras “Vicente HUidobro e Manuel Bandeira”, por Carlos Nejar e Juan Antonio Massone, respectivamente e “Versos de Sangue em Multicores”, do poeta labrense Elias de Souza, o nosso muito obrigado. Mais duas obras necessárias para os nossos estudos; para a nossa biblioteca
Por Francisco e Angeline Gomes
Fontes 1. LP “Extra” e encarte, de Gilberto Gil. Gravadora Records, 1983. 2. CD “Encanto“, de Rita Benneditto, Gravadora Biscoito Fino, 2014.
Um Encanto esse sua publicação
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